“Se a janela o incomoda,” avisava-se nos carros eléctricos da antiguidade, “peça ao guarda-freio que a feche.”

Não obstante serem claros, o conselho e a regra não se percebem.  Que espécie de gente se disporia a participar nessas cerimónias, e a acatar as ameaças?  Temos boas razões para crer que o nosso planeta é povoado há muitos anos por animais parecidos connosco; mas não conseguimos ao mesmo tempo imaginar que animais como nós tenham podido tomar a sério certos procedimentos e costumes.  O aviso parece-nos vir direito do período egípcio e ser assim contrário ao senso comum.  Custa a acreditar que o senso-comum tenha alguma vez podido estar tão mal distribuído.

A tendência para não tomar a sério o passado resulta da tendência para imaginar o passado como preparação para o nosso actual estado de clarividência.  Embora não haja maneira de explicar o que se passou senão a partir da posição em que nos encontramos hoje, na maior parte dessas explicações tratamos os nossos antepassados como um escadote que nos permitiu subir à posição da qual os contemplamos.   É certo que nos comparamos por vezes a anões aos ombros de gigantes.  Mas o que essas comparações à primeira vista pouco lisonjeiras escondem é o alívio por já não termos de lidar com gigantes.  Parece-nos a todos natural fechar janelas sem ficar a dever favores a colossos.

Os avisos e as regras que perderam a sua força vão por vezes parar a museus ou bibliotecas, onde os podemos contemplar em sossego. A admiração que temos pelo presente tem aí um aspecto de interesse plácido pelo passado.  Fora desses casos as regras antigas são um alvo consabido de indignação moral.  Deplora-se que tenha havido no passado castas de pessoas com o privilégio exclusivo de poder mexer nas janelas dos eléctricos, e envergonha-nos que os viajantes tivessem tido de depender da liberalidade dos guarda-freios; e outrossim a estupidez que terá afligido a espécie antes de nós termos nascido.  Mas a indignação moral em relação ao passado também nunca se consegue distinguir da estima que sentimos pela nossa posição actual.

No entanto, as normas e as sugestões obsoletas não desaparecem logo que se tornam obsoletas.  Antes de se transformarem completamente em matéria de contemplação ou de indignação andam ainda durante algum tempo a cirandar pelas províncias e pelos desertos.  É aí comum os viajantes encontrarem sinais de trânsito que avisam para os perigos de clérigos em bicicletas, e de alces rampantes; e ser-lhes pedido que adubem com nitrato.  Ninguém sabe bem como corresponder a esses sinais e pedidos: os viajantes pouco adubam, não passam bicicletas no deserto, e há muito tempo que não se vêem alces na província.  Mas as intimações, à semelhança dos avisos antigos sobre guarda-freios, são vestígios de paisagens morais anteriores.  As emoções antigas, como concluiu o poeta, aparecem-nos geralmente “estampadas nas coisas mortas.”

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