O Alentejo tem um passado de miséria, desigualdades sociais, abusos de direitos e secura extrema que, durante muitas décadas, lhe coartou o desenvolvimento e lhe fez perder a autoestima e a população. Contudo, empreendimentos como o relativamente recente Alqueva ou o aproveitamento integral da barragem de Santa Clara, com os seus 50 anos há pouco celebrados, têm modificado radicalmente a realidade alentejana.
O exemplo do Perímetro de Rega do Mira, com uma extensão de 12 mil hectares, dos quais apenas cerca de sete mil são irrigados, contribuiu, em 2020, com 15% do total das exportações de frutas, legumes e flores do nosso país. Que bom seria termos várias bolsas de sete mil hectares no nosso território com uma criação de riqueza desta ordem. São, porém, várias as inverdades que tentam impor-nos e que é preciso nuns casos desmentir, noutros relativizar e noutros, ainda, admitir que há algumas coisas por corrigir.
O mito dos trabalhadores
Entre 2015 e 2020, estima-se que a população a residir e a trabalhar nos concelhos de Odemira e Aljezur terá aumentado em cerca de 15%. Esse aumento resulta obviamente, e em grande medida, da vinda de trabalhadores migrantes, o que permitiu, na insuficiência de mão-de-obra portuguesa, o desenvolvimento da atividade agrícola no território.
A imagem de miséria, abusos, escravidão e mendicidade que se pretende colar a esta população não corresponde à verdade. Haverá, seguramente, casos pontuais de incumprimento de regras e usurpação de direitos, como em qualquer outro ponto do país e como em qualquer outro país da Europa. No entanto, no Perímetro de Rega do Mira, a regra vigente indica o contrário, estando as empresas sempre disponíveis para serem visitadas pelos meios de comunicação social e pela autoridade reguladora das condições de trabalho.
Já sobre a oferta de alojamento, se hoje não é maior, isso deve-se às limitações que os Planos de Ordenamento do Território têm imposto, limitando investimento público e privado. Acolhemos essas populações migrantes com respeito, pagamos-lhe o mesmo que aos trabalhadores agrícolas portugueses e certamente mais do que aquilo que se paga em tantas outras regiões do nosso território, não só na agricultura, mas mesmo na indústria e nos serviços. As empresas contribuem, ainda, para a sua formação e integração, financiando entidades sem fins lucrativos, que facilitam a aprendizagem da língua, o acesso aos serviços públicos e o cumprimento das burocracias infindáveis que ainda caracterizam o país.
O mito das infraestruturas
A AHSA é a primeira a bater-se por um investimento público que tem tardado e que a própria resolução e recomendação ao Governo da Assembleia da República acabou de reconhecer no passado dia 3 de fevereiro. Tal resolução resultou de mais de dois anos de trabalho de um grupo técnico multidisciplinar, em que as empresas da região estiveram representadas e do qual foram importantes motores.
A dotação da região de serviços de saúde e de educação em quantidade e qualidade tem sido uma batalha das duas câmaras municipais do território em que esta associação, entre outros, se tem empenhado. Comentários como os que foram feitos acerca da injustiça de aplicação de dinheiros públicos nacionais para benefício de uma população em grande parte estrangeira diz muito da natureza de quem os exprime.
O mito da água
A água é o inegável desafio deste século e dos seguintes. A sua gestão no território do Perímetro de Rega do Mira, feita pela Associação de Beneficiários que, através de uma direção e de um corpo técnico legitimados em Assembleia Geral pelos regantes associados, determina a forma como a água da barragem deve ser gerida.
O foco de todos – regantes, autarcas, tutela e país em geral – deve centrar-se no investimento continuado, modernizando o sistema de abastecimento de água e completando os planos mais latos e ambiciosos que ficaram por concluir. Têm também os regantes, naturalmente, o papel importante e a obrigação decisiva de modernizar a forma de utilização da água, conseguindo melhores resultados com cada metro cúbico utilizado.
Errado, profundamente errado e, a nosso ver, quase criminoso, é receitar para a zona um regresso à agricultura tradicional, a qual não só não produz a riqueza de que a região e o país necessitam como é, comprovadamente, menos eficiente no uso da água do que a agricultura moderna que ali predomina. Precisamos de produzir mais, regando melhor. Não de produzir menos, deixando de regar.
O mito da biodiversidade
Pretende passar-se a ideia de uma região em que apenas se produzem frutos vermelhos e, com isso, correndo os riscos que qualquer monocultura acarreta. As estatísticas mostram a enorme diversidade de frutas, legumes e flores produzidos naquela região, muitos deles com destino a clientes europeus que exigem regras de conservação da natureza, proteção dos solos, da água e das pessoas que trabalham a terra.
Se os nossos produtores associados não tivessem, por iniciativa própria, esse desígnio – e efetivamente têm-no –, os seus clientes encarregar-se-iam de os lembrar que sem esse respeito pela sustentabilidade não haveria negócio.
A AHSA está absolutamente determinada em produzir os estudos caraterizadores da região que permitam gerar a informação necessária para esclarecer a opinião pública do muito de bom que ali se faz e para contribuir, através de técnicos independentes e conceituados, para melhorar o que não está bem e concretizar o que falta fazer. As portas desta região e destas empresas estão abertas para quem quiser conhecer, de facto, a realidade.