“Porque é uma mulher, depois dos 40 anos, se torna “transparente”? Porque é que ninguém, sequer, repara em nós?” A primeira resposta, a mais óbvia e a mais impulsiva, será: “porque os homens preferem mulheres mais novas”. Ou “porque querem viver as relações à margem dos compromissos”. Mas aquilo que distingue os homens das mulheres, depois dos 40, é que, eles falam muitíssimo menos das suas dificuldades de encontrarem quem se encante por si, por mais que alimentem, secretamente, a ideia que serão – eles, também — “transparentes”. Não fosse o “charme” que imaginam que o dinheiro, algum poder ou uma certa relevância social lhes possa trazer. O que é que nos torna, então, supostamente, transparentes, depois dos 40?

Eu acho que se cultiva a ideia que as pessoas, à medida que envelhecem, ficam mais feias. O seu corpo esmorece. E, por mais que recorram às mais diversas estratégias para manterem uma aura de juventude eterna; por mais que apurem um estilo e o erotizem, até; por mais que recorram ao ginásio ou ao lifiting, a idade vence a atractividade e perde-se “toda” a graça. Como se só a juventude nos fizesse belos.

A beleza – fala-se pouco disso, não é? – é a forma de se pôr poesia na vida. Mas a beleza externa não se constrói, ao contrário daquilo que pareça, à margem da beleza que temos cá dentro. A beleza externa ou a juventude iludem muitas coisas feias que temos em nós. O tempo ajuda-as a revelar. Não ficamos, “obrigatoriamente”, mais feios. Ficamos mais iguais aquilo que somos. Há pessoas que com 20 anos já envelheceram muito. E mal! E há pessoas com 40, 50 ou 60 que souberam olhar para dentro de si e, “peça a peça”, trabalhar para ficarem mais bonitas. Com o tempo – será mais assim – não ficamos mais velhos: ou ficamos mais feios ou nos tornamos mais bonitos.

Nós procuramos a beleza e a vida que ela nos dá em tudo. Só a beleza nos torna jovens. Só ela nos torna felizes. Às vezes, assumimo-lo pouco. É, pois, natural que aquilo que não nos atraía numa pessoa aos 15, aos 18 ou aos 30 não nos atraia depois dos 40. Depois dos 40 haverá menos “barulho das luzes” e o que não é bonito mais “feio” se torna. Mas o que é a beleza senão o olhar límpido da verdade que transforma a nossa história em sabedoria?

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Aquilo que aviva a nossa “transparência” é a forma como os outros parecem não reconhecer a beleza em nós. Como se fôssemos, simplesmente, “iguais” a tantos outros. O que se passa é que, depois dos 40, arrepia descobrir que podemos ser “só” mais uma pessoa muito parecida com milhares de outras pessoas, semelhantes a nós. Sem nada de suficientemente bonito que nos torne vistosos e atraentes. Como se nos faltasse um rasto. Um “je ne sais quois” que nos  torne, inequivocamente, inimitáveis. Únicos, portanto.

Como podemos andar a vida toda a evitar garimpar a beleza e, depois de tanto trabalharmos para as pequenas opacidades atrás das quais nos escondemos, nos assustarmos porque ninguém repara em nós? Como podemos andar a vida toda a evitar sermos transparentes diante daquilo que pensamos e do que sentimos e, depois, ficarmos alarmados por ninguém nos reconhecer como únicos, a ponto de parecermos… “transparentes”?

E, depois, vivemos num mundo de “produtos normalizados”. Obrigamos as crianças a pintar o telhado das casas sempre de vermelho. E levamo-las a reproduzir conhecimentos mais do que a pensá-los ou a recriá-los. E vivemos cercados de redes sociais que nos “clonam” uns nos outros. Tornamo-nos todos mais “produtos normalizados” do que pode parecer. E quanto mais “iguais” mais “transparentes”. Aliás, “os rebeldes” ou os “mal-adaptados”, à medida que crescem, parecem mais capazes de trazer singularidade à sua vida. Se calhar, somos todos mais “transparentes” do que imaginávamos. Muitas vezes, descobrimos isso só depois dos 40. Será mais assim. O que não é trágico. Assim queiramos ser transparentes – agora, doutro modo – e ir à procura do melhor de nós que nos devolva à graça.