Começa muito antes do 25 de Dezembro. Uma mulher faz planos para o Natal na chegada das primeiras chuvas, no momento em que esvazia os armários das roupas leves, quando troca o azul turquesa pelo castanho, antes das horas curtas e dos dias pequenos. Uma mulher organiza-se, preocupa-se e soma a tudo o que já tem para si um outro inventário de tarefas sem fim. Sejamos francos, só existe Natal porque existem mulheres.

Quem mais senão elas, seria capaz de gerir com uma sensibilidade infinita a lista de detalhes que esta época acarreta? Presentes carinhosamente pensados, ceia abastada, bacalhau demolhado em águas limpas durante três noites, tudo meticulosamente articulado com orçamentos escassos, filhos fungosos e bateladas de roupa que teimam em não secar. Por estes dias, vemo-las passar velozes pelos corredores dos supermercados, centros comerciais e feiras com manuscritos em punho, que incluem os meninos, os primos dos meninos, os netinhos, amigos secretos das mais variadas proveniências, uma lembrança para a creche e até aquele agrado para o médico do centro de saúde. Verdadeiras corredoras de fundo, de passo lestro mas com a sabedoria certa para gerir o esforço de quem tem menos de um mês para chegar à meta.

As mulheres têm uma capacidade agregadora de afetos. A inteligência suficientemente apurada para saberem que é nas pequenas comemorações, na união à mesa, no culto de estar presente, no mimo dos detalhes que se cria uma família, seja ela de sangue ou de coração. É certo que o amor não se constrói apenas nos dias especiais mas reforça-se na vivência de momentos felizes. Louvo o esforço de muitos homens que, perante a ausência feminina, compreendem a importância do celebrar, no fortalecimento dos laços familiares.

Batem as oito horas, a mesa está posta, as crianças gritam pela casa e os mais velhos abstraem-se nos telemóveis. Há uma lareira forte e um pelotão de mulheres na cozinha. A mais velha comanda uma orquestra de panelas, que ora tapa ora destapa de forma ansiosa, ao mesmo tempo que debita ordens com a concentração de um controlador aéreo. As outras seguem-lhe o ritmo, no meio de pirâmides de legumes, tentáculos de polvo e molhos aromatizados. As mais novas tiram apontamentos mentais porque há tradições que, por mais yuppies que sejamos, queremos sempre eternizar. Na tarde, quem por ali passou pôde assistir a verdadeiros festins de açúcar, pontos de pérola, pão que se transformou em ouro, uma nuvem de canela e anis que deixaria o Infante D. Henrique orgulhoso. Na sala, vive-se uma discussão sobre a temperatura dos vinhos, a salmoura do queijo da serra e um olhar lento sobre as notícias. Em breve, esta calma será interrompida pela chegada delas, num colorido próprio e uma energia arrebatadora que funde todos os elementos necessários para uma noite feliz.

Neste Natal, deixo a minha homenagem a esta milícia organizada de mulheres que perpetuam as nossas memórias mais doces. Às avós, mães, tias, sobrinhas, afilhadas… que estão em todas as frentes, da decoração à culinária, da solidariedade ao olhar atento de quem precisa, com mãos firmes e corações humedecidos de carinho.

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