A nomeação secreta do novo secretário-geral do Partido Comunista Português é mais um elemento pouco propício à profunda mudança política de que o país careceria a fim de sair do declínio em que caiu, nos últimos anos, com a chegada ao poder da esquerda partidária promovida pelo inédito golpe parlamentar de 2014-15. Recordo os passos dados desde então. Há sete anos, o PS conseguiu arrebanhar os deputados então eleitos pelo PCP e pelo «Bloco de Esquerda» a fim de constituírem uma lamentável «geringonça» sem ter havido resistência suficiente do presidente da República Cavaco Silva nem da aliança vencedora do PSD+CDS, assim como o habitual silêncio da opinião pública.

Entretanto, a partir do começo de 2020, o governo socialista foi surpreendido pelo Covid-19 e, desde então, não cessou de sofrer a crítica da ala esquerda da «geringonça» contra as múltiplas consequências sócio-económicas da pandemia. A partir de determinada altura, com as vacinas gratuitas e, depois, a mirabolante promessa de apoios bilionários da UE – o tal «Plano de Recuperação e Resiliência» –, a liderança do PS ter-se-á convencido que podia conquistar a maioria parlamentar, tendo o leader do PS dissolvido a Assembleia da República com a conivência do PR alcançando em 2022 uma diminuta «maioria absoluta» com menos de 50% dos votos.

Por último, com a continuação da guerra da Rússia contra a Ucrânia desencadeada há quase um ano, a economia mundial entrou num violento processo inflacionário que veio ligar-se aos pesados custos da pandemia, desvalorizando desse modo os recursos da população mundial como não sucedia há décadas. Entretanto, surgiu pelo mundo fora um surto de «novo comunismo» em favor da Rússia pós-soviética perante a extraordinária resistência da Ucrânia sustentada pela NATO.

Naturalmente, Portugal não ficou fora dos efeitos desta inédita conjuntura. Por coincidência ou não, o manifesto declínio do PCP levou Jerónimo de Sousa – membro da Assembleia Constituinte desde 1975, ininterruptamente deputado à Assembleia da República e secretário-geral do partido há 20 anos – a demitir-se, cedendo o lugar a um típico «apparatchik» do PCP mantido em estado virtualmente «clandestino» há idênticos 20 anos, o desconhecido Paulo Raimundo, cujas ideias e actividades ignoramos até ontem.

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É caso para ter presente o que é um «apparatchik». Não é à toa que uso o termo russo. Mais exactamente, uma criação do partido comunista soviético a partir do início do século passado e em especial após a tomada do poder em 1917. Em Portugal, no tempo em que o PCP estava proibido pelo regime ditatorial até 1974, esses «apparatchiki» eram designados por «funcionários» do partido. Por definição, eram clandestinos, como conheci vários que, por sua vez, me conheceram na qualidade de «militante» desejavelmente anónimo, embora isso fosse difícil de manter apesar de se usar um «pseudónimo» e variá-lo com frquência…

Estudiosos internacionais do assunto, alguns porventura com experiência pessoal acerca dos «apparatchiki» (plural de «apparatchik»), confirmam que se trata – ou melhor, tratava – não só de uma fé terrestre destinada a derrubar as autoridades tradicionais, como se transformou numa «nomenclatura partidária» com base assente naquilo que se acreditava ser o equivalente revolucionário dos modernos burocratas. Ora, pelo pouquíssimo que se sabe acerca do novo secretário-geral do PCP, Paulo Raimundo foi até hoje o típico «funcionário do partido» que, segundo toda a probabilidade, continuará a ser.

Se assim for, como é previsível, esse novo PCP não mudará de «linha», como lhe chamam. Apesar da profunda crise económica e da guerra desencadeada pela Rússia, ainda não será desta vez que o capitalismo se dissolverá e, se mudar um pouco, não será muito melhor do que o leque partidário nacional, presumidamente de «esquerda», tem feito nas últimas décadas. Até hoje, desde a virtual bancarrota do fatídico Sócrates em 2011, apesar da recuperação promovida pela «troika» e pelo crescimento económico mundial, os governos Costa não conseguiram até hoje reduzir minimamente a dívida externa abaixo do PIB.

Ironicamente, o persistente primeiro-ministro do PS chegou a tentar iludir-nos recentemente com a falaciosa ideia de que iria fazer desaparecer a dívida internacional largamente superior ao PIB que carregamos há mais de 10 anos com – imagine-se a ilusão monetária! – a desvalorização dos preços e dos rendimentos provocada pela inflação galopante de 10%! Ora, o que têm o PCP, o novo secretário-geral e os seus «apparatchiki» a dizer acerca da crise financeira em curso e do inevitável empobrecimento da maioria dos países?

Pode ser imaginação minha mas não só um PCP revolucionado pelo seu novo líder não irá mudar rigorosamente nada à crise presente como a pressão que consiga fazer nos locais de trabalho e nas ruas será de pouca monta. Se porventura o PCP reforçar a oposição ao governo, provavelmente esta resultará em mais apoio popular à chamada «direita» do que o contrário. Quanto à conjuntura, não se entrevê como mudará tão depressa!