Os oito anos de governação de António Costa tiveram um efeito dual na visão do país que a sociedade portuguesa tem actualmente.

A propaganda do Partido Socialista e daqueles que o apoiaram conseguiu ser exímia na persuasão dos cidadãos de que, uma vez postos fora do governo os austeros governantes mais troïkistas que a troïka, e virada a página da austeridade, éramos agora o país modelo, o país das “contas certas”, com a dívida a diminuir e até com superavit orçamental, com crescimentos próprios de uma economia “farol na indústria europeia”, em palavras de Costa.

Na verdade, o país estava apenas a perseguir indicadores financeiros críticos para as agências de rating conseguindo melhorar a imagem com vista a obter facilidade de crédito e, principalmente, reduzir taxas de juro. E como conseguia esse objectivo? Com as célebres “cativações”, conduzidas tecnicamente por Mário Centeno, consistindo na recusa de atribuição pelo governo de verbas necessárias para o funcionamento dos serviços devidamente aprovadas no Orçamento.

Tratava-se, como é óbvio, de uma pseudo solução, quando muito passível de ser usada em algum período muito curto, nunca por oito anos, porque a devastação causada nos serviços públicos é fortemente penalisadora para os cidadãos. Todos sabemos como o país não funciona. Sabemos que não há médicos suficientes, que há alunos sem professores, que a justiça é mais lenta que nunca, que muitas parturientes não têm quem as atenda, ou que morrem pessoas por falta de uma ambulância. Tudo isto é o preço que estamos a pagar para ter bons resultados financeiros. Isto é, temos de pagar um extra para não ter serviços que já pagamos com uma carga fiscal que chega a ser asfixiante.

Desaparecido o Costismo, não podemos esperar do novo governo soluções rápidas, até porque o líder do PSD, vencedor pírrico das eleições, adoptou uma via que não lhe permite fazer as reformas necessárias para resolver os problemas. E enquanto assim for, o país não levanta cabeça.

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O crescimento económico é incipiente e baseado no turismo, um sector que não é consistente, pois depende da paz e da prosperidade dos países emissores de turistas. Por outro lado, a dívida pública continuou e continua a crescer, enquanto os governos, anterior e actual, se ufanam da sua redução (referem-se à proporção da dívida no PIB, que se atenua com a inflação). O ambiente externo, com a União Europeia estagnada, não perspectiva melhorias na situação.

Não obstante esta condição penosa, há pessimistas e optimistas.

Por um lado, está o país do povo que sofre com o descalabro dos serviços; que, se quer um salário digno, tem de emigrar; que não arranja habitação compatível com o que aufere; que dificilmente pode formar uma família.

No lado oposto está o país dos políticos, surfando uma nuvem de fantasia. Que acredita que o país tem crescimentos acima da média da UE; que afirma que a dívida pública está de facto a baixar; que acha que o superavit de 2023 dá para tudo. É como uma família que, com a casa a precisar de obras, o carro a ficar velho, e os filhos a comer meia sardinha, chega ao fim do ano exuberante de felicidade por ter poupado mil euros, esquecendo que deve duzentos mil ao banco. E toca a festejar o Ano Novo!

É assim que o governo festeja ao distribuir aumentos a quem mais berra, e até a anunciar um pagamento extra aos pensionistas, mostrando que se borrifa para a sustentabilidade da Segurança Social e que Montenegro é tão bonzinho como o seu antecessor. É assim que PS e Chega festejam ao meter à força no Orçamento um aumento aos pensionistas, tentando anular aquele propósito do governo. Ao que este responde que o pagamento extra se manterá, a menos que não haja dinheiro. É caso para dizer que a caça ao voto no terreno dos pensionistas perturba a visão aos políticos.

A pôr água na fervura desta festa, e quiçá com alguns remorsos, surge o governador do Banco de Portugal a avisar que o défice está a espreitar à esquina e que é tempo de acabar a festa. Mário Centeno foi um excelente técnico ao serviço de um mau governante, mas continua a ser um excelente técnico, pelo que os seus avisos não deviam ser ignorados pelos políticos optimistas.

Entre estes, pelo menos o presidente Marcelo não está preocupado com os avisos do BP, e sai a terreiro para dizer que Centeno é muito “agarrado”. Isto é, muito forreta, muito somítico, muito fonas. E, portanto, que siga a festa!