O maior cuidado de um governo, deveria ser o de habituar, pouco a pouco, o povo a dele não precisar.
Alexis de Tocqueville
Estava escrito que não escapávamos ao fio da história de também ver chegar ao poder, a versão portuguesa de um certo populismo. Este populismo não é o do “Podemos” espanhol, também não é o do “Syriza” grego, muito menos o da “Frente Nacional” francesa… Tem um pouco de tudo e uma marca diferenciadora, como todos: a atipicidade relativa, na desigual incidência matricial.
- Há dias o jornal britânico “The Guardian” abordava num artigo o tema do populismo na Europa e no mundo e produzia uma definição: “Um partido é considerado populista, se apresenta a vida política como uma luta entre uma massa de cidadãos virtuosos e uma elite mal-intencionada e venal. Os partidos populistas, obviamente, assumem-se como representantes do bem (“nós”, “o cidadão comum”) contra o mal (“eles”, “as elites”).
Já o “Le Monde Diplomatique” escrevia em 2017 que “Na sua definição, que é ambígua, o populismo é caracterizado como um modo de fazer política. O populismo propicia a construção de um sujeito político – o povo – por meio da identificação antagónica de um outro: aquele que o oprime, que seria causa de suas desventuras.”
Há ainda outras definições que alinham aspectos como populismo económico – ou política económica populista – como “caracterizado por um programa de governo que incentiva o consumismo (ao mesmo tempo que desestimula os investimentos de longo prazo) e incorre em déficits no orçamento do governo, ainda que escondidos da realidade orçamental”.
No caso português, ainda poderíamos tergiversar sobre a realidade populista deste governo, houvesse evidências de exercício e conduta anti-populista, mas não há.
Atenhamo-nos a casos práticos.
- O pós-troika.
Sabendo que o chamamento da dita foi negociado e assinado pelo PS em 2011, como procederia um governo anti-populista, executado que foi o programa do mesmo PS?
Assumiria uma atitude de responsabilidade, procurando evitar os mesmos erros do anterior governo da sua lavra.
Não é o caso.
Desde 2015 que se recria a mesma indiferença perante o crescimento da dívida pública. A mesma insistência em ignorar os factores que impedem um crescimento que supere claramente a média europeia e que exige reformas que bulem com a busca fácil de um populismo à margem dos alertas emitidos pelas instituições internacionais.
- A segurança e proteção civil.
As respostas às tragédias de Pedrogão e Monchique, não são próprias de um governo anti-populista, muito pelo contrário.
Só um governo populista, assumia em termos práticos, que estes eventos aparecem como mera circunstância, em que falhanços de segurança e protecção das populações não têm responsáveis políticos, nem a tragédia é bastante para o início de uma reforma do Estado que chamasse o conjunto dos partidos à mudança de vida nestes sectores.
Novamente a preocupação “populista” a relativizar os acontecimentos para não mexer com sondagens.
- Tancos
Que faria um governo anti-populista, após o desaparecimento de material de guerra, incluindo “lança-rockets”?
Imediatamente demitia responsáveis políticos e operacionais e quem nos gabinetes soube da “montagem” venal da operação de mercadejar farsas policiais (como hoje parece ponto assente).
Hoje, dá para questionar se não permanecem em realidade difusa e a todos os níveis do Estado, responsáveis que o governo quis preservar, não se atendendo à salvaguarda do mesmo Estado, mas à defesa do objectivo de preservação da imagem perante o eleitorado.
- Borba
A prática anti-populista de um governo indiferente a populismos, interrogaria de imediato quem na Administração Pública, devia e não aplicou, a regra simples de afastamento obrigatório de 20 metros do eixo da via, para construção ou criação de taludes, ainda que em estrada municipal, como regra que qualquer cidadão comum conhece.
Não. Desde o primeiro-ministro aos ministros envolvidos, preocupação única desde a notícia da tragédia foi a de tornarem difusa a responsabilidade; remeterem para personagens etéreos e instituições sem paradeiro, quem devia ter actuado e não actuou.
Mas pior. A estas horas ainda não há um anúncio de plano para alterar a política de gestão do território no domínio da extração de inertes do subsolo e infraestruturas correlativas.
Que outro motivo pode ter existido que não a salvaguarda de um populismo disfarçado a meses de eleições? Irresponsabilidade política, inconsciência operativa? Não. Fiquemo-nos por um populismo frouxo, como escape eleitoral.
- E que prática anti-populista um governo subsidiário desta postura seguiria, quanto à gestão orçamental?
Rigor na despesa, zero de cativações, a realidade toda incluída no perímetro orçamental, como não aconteceu também antes de 2011 e originou o impasse na soberania financeira.
Prática populista: não há alterações orçamentais, não há redução de despesa, cativa-se já com antecipada indiciação – como prática inovadora tocada pelo populismo de dar a todos – o que se sabe que na execução orçamental é uma farsa cativadora.
- Descongelamento da carreira dos professores
No Orçamento do Estado 2018, o governo anuncia o descongelamento. A seriedade política anti-populista não permitia tal anúncio. Durante este ano de 2018, o governo procurou desgastar e tornar “injusta” aos olhos da opinião pública esta exigência do sector. Quando, a final, da parte dos professores nada mais que a mesma exigência de cumprimento da lei a que os tribunais do trabalho procedem no quotidiano das relações laborais: os contratos são para cumprir e, neste caso, estamos perante um contrato entre o Estado e os seus servidores no sector da Educação.
Onde está o populismo?
Justamente na tentativa do governo empatar um problema, reforçando a simpatia junto dos funcionários não abrangidos por esta medida, problema criado pelo próprio governo no OE de 2018.
- Portugal, sempre pronto a brandir perigos alheios, seja na Europa ou fora dela, tem agora o seu “populismo” de “frente de esquerda”, fácil de enunciar no quotidiano, mas não assumido, obviamente, porque nenhum populismo foi alguma vez matrizado e constitucionalizado.
Membro da “Comissão Instaladora Nacional” da “Aliança”