É fundamental que os portugueses acompanhem a forma como o Governo está a planear gastar os 15,3 mil milhões de euros a fundo perdido que Portugal irá receber da União Europeia, do Fundo de Recuperação, a partir de 2021. Será uma oportunidade única, dada em face da crise do coronavírus, pelo que se o dinheiro for mal gasto, será o nosso crescimento económico que se ressentirá por muitos anos.

É neste contexto que merece ser analisado o projecto do hidrogénio, onde o Ministério do Ambiente se propõe gastar 7 mil milhões de euros, ou seja, 50% do total do valor a fundo perdido, que Portugal irá receber da União Europeia. Com efeito, existiu sempre uma relação estreita entre o crescimento económico de um país e a qualidade do investimento realizado. Por essa razão, os vinte anos de quase estagnação do rendimento per capita em Portugal, com 20% da população no limiar da pobreza, derivaram da má qualidade do investimento que realizámos, normalmente por iniciativa do Estado. Exemplos de maus investimentos efectuados por iniciativa, ou por apoio, do Estado estão numa parte significativa das auto-estradas, nas produções de electricidade por centrais eólicas ou fotovoltaicas – criadas entre 2005 e 2016 ainda com tecnologias imaturas e, portanto, muito caras para os consumidores -, no investimento não rentável em empresas públicas, no projecto do TGV – que, felizmente, acabou por ser suspenso – e  agora  no projecto do hidrogénio. A principal causa da falta de convergência com os países da União Europeia, que nos está a colocar nos últimos lugares da União Europeia, tem sido o desbaratar de recursos financeiros em projectos sem rentabilidade, resultantes da má gestão pública e empresarial.

Dispondo Portugal de recursos limitados, a nossa economia só poderá crescer com projectos viáveis, competitivos, que permitam, nomeadamente, aumentar as nossas exportações e o emprego de forma permanente e continuada. São assim, por exemplo, desejáveis investimentos que possam:

  • apoiar investimentos de empresas que se destinem, maioritariamente, à exportação;
  • aumentar a competitividade da nossa economia, como investimentos na investigação e desenvolvimento tecnológico aplicados à inovação empresarial;
  • introduzir ligações ferroviárias com a Europa em bitola europeia, que facilitem a exportação de mercadorias;
  • apoiar a reindustrialização do país, não apenas nas mesmas tecnologias e processos de fabrico, mas através da inovação e de novas tecnologias que permitam fazer melhor e diferente;
  • modernizar a administração pública, permitindo a sua reestruturação e a redução das suas despesas correntes;

Promover o crescimento é particularmente importante em Portugal, tendo em conta que em 2020 se prevê uma quebra do PIB de 12% e um aumento da dívida pública para 134% do PIB.

Contudo, o crescimento económico depende das políticas que o Governo adoptar, pelo que é incompreensível, que o Secretário de Estado do Ambiente, João Galamba, queira agora, a todo o custo, gastar metade dos fundos que o país vai receber da União Europeia num projecto inviável, utilizando argumentos falsos, como este, de que o dinheiro só pode ser gasto no projecto do hidrogénio, que é a fundo perdido, ou que é rentável.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Em primeiro lugar, este dinheiro pode, sim, ser gasto noutros projectos, pelo que há um custo de oportunidade. A União Europeia tem referido que o apoio concedido se destina a promover a competitividade das economias, pelo que não vai certamente privilegiar um projecto inviável financeiramente, como é o projecto do hidrogénio, que, por ter ainda uma tecnologia imatura, apresenta custos de produção muito elevados. A União Europeia preferirá, assim, projectos de investimento que façam crescer a nossa economia, nomeadamente nos sectores de bens transacionáveis, pelo que não criará nenhuma objeção a que o dinheiro seja antes gasto no apoio às exportações.

Em segundo lugar, tratar-se de um projecto financiado a fundo perdido não é argumento, pois estes mesmos fundos poderão, e deverão, ser gastos noutros sectores com muito maior rentabilidade.

Em terceiro lugar, também não é verdade dizer que o projecto do hidrogénio é rentável. Basta referir que o custo do hidrogénio injectado, apesar de utilizar a energia solar, custará entre o dobro ou o triplo do gás natural, pelo que o consumidor final verá a factura do gás subir entre 15 e 30%. Se este hidrogénio for agora utilizado para produzir eletricidade, custará entre 100 e 200 euros/MWh, o que é muito superior ao custo médio de 40 euros/MWh das produções alternativas a operar actualmente em Portugal, nomeadamente o hidrogénio obtido a partir do gás natural. No projecto do hidrogénio apresentado pelo Governo, só daqui a 15 ou 20 anos é que o custo de produção da tecnologia poderá vir a ser reduzido em cerca de 60%, podendo então ser um projecto a analisar. Porquê, então, a pressa em gastar agora um enorme volume de dinheiro num projecto com altíssimos custos de produção? Seria uma repetição do dinheiro mal gasto nas produções de eletricidade eólica e fotovoltaica intermitentes, no período de 2005 a 2011, quando as respectivas tecnologias eram ainda imaturas e, portanto, muito caras. Não podemos perder de vista que a produção de uma nova energia só favorece o crescimento económico se vier substituir outras produções de energia mais caras, o que não é, claramente, o caso do projecto do hidrogénio. Para que serve então este projecto ?

O projecto do hidrogénio apresentado pelo Governo tem ainda, infelizmente, uma outra implicação. A sua introdução vai justificar a instalação de novos parques fotovoltaicos com uma capacidade de 2000 MW, novamente beneficiando do regime das FIT – Feed In Tariffs, que permite aos respetivos promotores escorraçar a concorrência, mesmo quando esta está pronta a vender a um preço muito mais barato, assegurando simultaneamente aos respetivos promotores um preço fixo em todas as circunstâncias. Pretende-se, assim, insistir num regime contratual iníquo, que destrói, à partida, a concorrência e o livre funcionamento do mercado.

Esta situação só vai agravar o excesso de produção que existe no país, que tem já uma capacidade de 8500 MW a partir de centrais eólicas e fotovoltaicas intermitentes que beneficiam do proteção das FIT, embora Portugal tenha um consumo em vazio de apenas 3900 MW.

Este excesso de produção significa que, embora tenhamos que comprar a eletricidade sobrante a altos preços garantidos, ela é frequentemente exportada para Espanha a preço zero. Com efeito, quando a EDP constatou, em 2018 e 2019, que não conseguia renovar o CMEC (Custos de Manutenção do Equilíbrio Contratual) associado à central a carvão de Sines, que lhe dava uma rentabilidade garantida próxima de 10% ao ano, passou a pedir o seu encerramento e a sua substituição pela atrás referida instalação adicional de 2000 MW, novamente com preços garantidos. E isto, apesar da central a carvão de Sines poder fornecer eletricidade a preços inferiores à nova central fotovoltaica. A central a carvão de Sines, que agora a EDP e o Governo querem encerrar, não acontece para se produzir eletricidade a preços mais baixos, ou para defender o ambiente como hipocritamente se refere, mas sim, porque esta central passou a ter de concorrer, desde 2019, com as potencias eólicas e fotovoltaicas intermitentes, que beneficiam da proteção das FIT e assim expulsam produções mais baratas da rede elétrica, embora em prejuízo de toda a economia e dos consumidores portugueses.

Prova de que, em condições normais, as centrais a carvão são rentáveis, está o facto da Alemanha ter agora inaugurado a nova central elétrica a carvão Kraftwerk Datteln 4, perto de Dortmund, com uma capacidade de produção semelhante à central a carvão da EDP em Sines. É que não existe na Alemanha um tal volume de produções de centrais eólicas e fotovoltaicas com altas rendas garantidas, que impeçam outras fontes de eletricidade mais baratas de poderem operar.

Estamos certos que a sociedade civil portuguesa cumprirá o seu dever, demonstrando que este projecto do hidrogénio não só não é rentável, como não é necessário. E que a sua implementação só condenaria os portugueses a um fraco crescimento económico, e, portanto a baixos salários, por muitas décadas. Esperamos, assim, que este projecto não se realize e que permita que os elevados fundos da União Europeia sejam investidos noutros projectos e beneficiem outros investimentos que contribuam para o crescimento económico e para aumento do nosso nível de vida.