O que é que está em jogo nas eleições europeias? A tradição das áreas dependentes é subordinar a política externa à política interna, sem medir, regra geral, as consequências. Assim, para atacar o partido rival, no caso o Rassemblement National de Marine Le Pen e Jordan Bardella, Macron teve a peregrina ideia de equacionar uma ida de tropas francesas para a Ucrânia. Uma Terceira Guerra Mundial? Que importa? A jogada estava feita.

Agora, para assegurar a sobrevivência e a hegemonia e à falta de propostas que motivem o eleitorado, a Esquerda e o Centrão resolveram incendiar os ânimos contra aquilo a que chamam “uma vitória da Extrema-Direita” a 9 de Junho. Talvez haja apenas uma subida mais ou menos significativa dos Conservadores e Reformistas Europeus e do Identidade e Democracia, mas o importante é esbater diferenças, arranjar em bloco um papão e subir as expectativas para depois poder cantar vitória relativa.

Ao contrário de outros grupos ou identidades partidárias, como os socialistas ou mesmo como o PPE, o papão, a direita nacional, conservadora ou popular, tem uma identidade histórica e cultural que respeita e privilegia, e que a obriga a conviver na diferença ou nas diferenças nacionais, ainda que tenha causas comuns.

Valores e contra-valores

A primeira das causas comuns às direitas, e a estas direitas, é a defesa da independência, da soberania e da identidade nacional; a defesa da comunidade concreta contra o globalismo, o federalismo e o multiculturalismo, espaços aparentemente livres e generosos, mas especialmente permeáveis à lei do mais forte, à atomização indiferenciada e ao livre arbítrio de certas mãos invisíveis. E como causa e consequência dessa defesa, estas direitas privilegiam o voto popular e as escolhas dos seus povos em relação ao poder não eleito da Comissão Europeia e de outras instituições da UE. Ora isto não devia ser automaticamente etiquetado de populismo. Mas é.

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Um ponto decisivo dessa independência é o direito ao controlo da imigração e o combate ao laxismo migratório que leva à guetização e instrumentalização de imigrantes não integrados, comprometendo a identidade a longo prazo e a segurança a curto prazo e das comunidades de acolhimento – e das comunidades imigradas. Analisar e julgar a questão da segurança não só em termos de imigração descontrolada, mas também em termos de imigração descontrolada, não devia ser apressadamente rotulado como xenofobia, racismo e discriminação. Mas é.

Do mesmo modo, querer analisar e avaliar racional e objectivamente as metas definidas de cima com vista a um “Planeta Verde”, levando em conta o seu custo, nomeadamente para os agricultores europeus, não devia ser logo considerado negacionismo. Mas é.

Finalmente, opor-se ao que a Comissão tem vindo a apresentar como decorrente de “novos valores europeus” – a estéril contrição em relação a um passado superficialmente julgado e condenado a partir do presente; a beatificação de algumas vítimas e a institucionalização da vitimização; a detecção de micro-ofensas e a vigilância do “racismo induzido” e do “preconceito inconsciente” que move micro e macro ofensores; a identificação diária de novas “fobias” ditadas por grupos de pressão; o combate ao “determinismo biológico” – não devia ser considerado levianamente tradicionalismo bacoco e obstrução ao “progresso”. Mas é.

E a defesa da independência nacional e das comunidades concretas, a atenção aos perigos do globalismo e ao voto popular, a regulação da imigração, a valorização racional da tradição e do passado, a moderação local dos exageros verdes europeus e a resistência aos delírios transhumanos e hedonistas da utopia arco-íris deviam ser preocupações de todos. Mas não são. São coisas de que, por serem defendidas pela da diabolizada “extrema direita”, o Centrão foge a sete pés, não vá ser considerado populista, xenófobo, racista, homofóbico, transfóbico e anti-progressista.

Admirável novo mundo?

A ordem internacional liberal derivou da preocupação euroamericana de impor os seus valores político-ideológicos ao mundo. Era um programa que podia fazer sentido no imediato pós-Guerra Fria, mas que entrou em crise entre o macro-terrorismo jihadista e a crise financeira de 2007-2008. Vinha, no seu triunfalismo, de uma leitura ideológica errada da vitória na Guerra Fria como uma vitória da democracia liberal anglo-saxónica, a partir daí extensível a todo o globo. Este equívoco foi coberto por uma série de teorias e obras de peso que contribuíram para essa leitura dos acontecimentos. Contribuíram e contribuem.

Na verdade, a vitória do Eixo Washington-Londres-Nato, só foi possível por um cerco à União Soviética em que também entraram Estados autoritários, como o bloco das monarquias absolutas do Médio Oriente, e totalitários, como a China de Pequim. Que não eram, não são, nem querem ser democracias liberais.

Este colapso da ordem liberal internacional atingiu todos, os liberais e os iliberais. E se se continuar a insistir na luta entre as democracias liberais, as democracias iliberais e as autocracias, pode criar-se uma contraposição do tipo “the West against the Rest”, muito pouco saudável para o Ocidente.

Sobretudo quando “o Oeste”, o Ocidente, em vez de se institucionalizar e estruturar em torno da realidade (seja ela histórica, matemática ou biológica) e de valores de orientação permanente (como a pátria e as pátrias, as famílias, uma ética de inspiração cristã, a liberdade), opta pelos postulados de um “progressismo” ideológico acéfalo, assente numa amálgama de quimeras manipuladas por novas esquerdas supostamente inclusivas mas que, definitivamente, procuram, não a inclusão de quem quer que seja, mas a disrupção.

É também isto que está em causa na eleição europeia, independentemente dos aspectos mais ou menos convincentes, mais ou menos maduros ou imaturos dos candidatos.

É preciso haver quem resista à vaga que, sintomaticamente, a extrema-esquerda insiste em dizer que não sabe o que é ou sequer se existe, mas que já cá chegou (e, como sempre, sob a forma de inquestionado inquestionável e inconsequente “progresso”)… Vejam-se as declarações da Ministra da Juventude e Modernização no passado dia 17 de Maio, Dia Internacional contra a Homofobia, a Transfobia e a Bifobia, para um papel mais relevante da diversidade de género no ensino e para a agilização do circuito médico de mudança de sexo; ou o compromisso assinado nesse mesmo dia pelo governo da Aliança Democrática, juntamente com 17 outros Estados da União, no sentido de “implementar estratégias nacionais LGBTQIA+ e apoiar a nomeação de um comissário para a Igualdade.” Sem dúvida, uma prioridade nacional – e europeia.

Assim, o sentido de voto de 9 de Junho deve ter em conta os custos ocultos e manifestos de um federalismo europeu cada vez mais ideológico e invasivo, com agendas de protecção a grupos especiais, reais ou imaginários, e a redução à condição patológica (fóbica) ou deplorável de uma maioria de opositores. A nação independente e soberana continua a ser a comunidade ideal para proteger direitos, liberdades e garantias, colectivos ou individuais. E é importante que a União Europeia não continue a cair na tentação de querer ser mais do que uma comunidade de Nações. O que já não é pouco.