“O FC Porto é clube de campónios e corruptos, falido e gerido de forma desatualizada”. Estas são expressões proferidas vezes sem conta pelos adversários de FC Porto com o intuito de diminuir a sua moral. Contudo, tiveram sempre o efeito contrário e serviram apenas para reforçar a união das suas tropas em torno da sua missão institucional. Porque na sua narrativa Ser Porto é ser humilde e trabalhador (e não campónio), é estar distante do poder central (esse sim corrupto), é acreditar que este continua a ser o problema da sociedade portuguesa (e não desatualizado), e que os clubes vivem de resultados desportivos e não de resultados financeiros.
O Dia D para a construção da cultura organizacional FC Porto data de 7 de Junho de 1979 quando Jorge Nuno Pinto da Costa, então chefe do departamento do futebol, rompeu decisivamente com seu presidente Américo de Sá por este se encontrar em “amena cavaqueira” com um par político, representante simultaneamente do SL Benfica, no final de uma derrota na final da Taça de Portugal no camarote presencial do Jamor. Por seu turno, Américo de Sá desaprovava o espírito conflituoso de Pinto da Costa contra Lisboa. Mais tarde, foi candidato único às eleições do FC Porto, sedimentando no clube juntamente com José Maria Pedroto, uma narrativa populista, do Norte contra o Sul, dos trabalhadores contra os usurpadores, do protelariado contra o poder, em que só a resiliência e o espírito de sacrifício poderiam levar de vencida o maior acesso a recursos dos seus adversários. Define-se o perfil jogador Porto, personificado no comportamento e atitude de João Pinto, Jorge Costa, Bruno Alves, entre outros, muitas vezes com a camisola #2.
O sucesso do FC Porto nas décadas de 80, 90 e 2000 deveu-se a um alinhamento perfeito entre a sua estratégia, a sua cultura organizacional, e o comportamento dos seus agentes desportivos nos diferentes níveis da sua organização (jogadores, treinadores e dirigentes). Sempre que esta sinergia se perdeu com o desaparecimento de recursos humanos chave nestas posições decisivas, o FC Porto não ganhou. Foi sob este racional que Pinto da Costa decidiu juntar a si Sérgio Conceição como treinador, e Pepe como capitão de equipa, para suster a quase-hegemonia do SL Benfica no futebol português. É esta cultura desportiva que permite, por exemplo, jogadores aparentemente normais como Zaidu, Manafá e Soares parecerem craques.
No caso particular do SL Benfica, o seu erro foi assumir que o conhecimento hard skill oriundo da gestão de empresas poderia suportar uma nova era de modernização da gestão desportiva per si, negligenciando o efeito decisivo de uma cultura desportiva forte, bem identificada e interpretada. Porque se na vida das empresas, enquanto “o excel bater certo” tudo está bem, no desporto não: quando a equipa está mal, “o excel bate sempre errado”. O próprio conhecimento científico oriundo da psicologia demonstra existir uma forte relação entre cultura organizacional e variáveis de eficácia de equipa, como por exemplo trabalho de equipa, compromisso, espírito de equipa, resiliência, engagement e satisfação no trabalho. E todas estas variáveis apresentam fortes correlações com a performance das organizações.
Muitos associados acusam o SL Benfica de ser hoje composto por um conjunto de jogadores de nações desunidas de propósito institucional, intérpretes de um futebol económico e desenxabido, com (des)enfoque em cada um e no seu próximo contrato. A contratação de jogadores deslocou o seu racional das mais valias desportivas para as mais valias financeiras. O Benfica parece padecer de uma esquizofrenia estratégica, em que existem dois céfalos a alimentar uma só forma de agir. Por um lado, uma aposta financeira, humana e logística forte direccionada à formação de jogadores e uma estrutura de contas da SAD sustentada na mais valia das suas transferências; por outro lado uma direcção desportiva que contrata um treinador e jogadores cuja despesa caminha em sentido absolutamente inverso.
Qualquer estratégia e cultura desportiva, desde que bem alinhada é melhor do que qualquer alternativa que, por muito bem concebida que esteja, seja mal interpretada. Talvez seja esta a razão para a crescente falta de empatia que Luís Filipe Vieira nutre junto dos associados do SL Benfica, pois os valores de Cosme Damião e o “Benfica à Benfica” dificilmente se veem interpretados na atual estratégia, cultura desportiva e comportamento dos seus agentes do futebol.