Nas miríades das atividades dos nossos dias, cada vez mais tem surgido a onda da feminilidade da palavra e, de igual modo, do português. Mais do que não saber falar, o português tende a tornar-se cada vez pior a escrever. Não é que exista um discurso de obliteração feminina, nem tampouco uma contínua manifestação do “Patriarcado”, mas a língua portuguesa possui regras bem claras e, de vez em quando, convém relembrá-las.

O latim, língua mater do português e de tantas outras, prevê a diferenciação entre o masculino, o feminino e o neutro, que tendencialmente termina em “e”. Com a evolução da língua portuguesa, fruto também do contacto com outras culturas, como o árabe, a língua portuguesa foi gradualmente englobando o que nós considerávamos como pronome neutro no masculino. Ao invés de masculino, feminino e neutro, o português passou a classificar o masculino e neutro (plural) em conjunto e o feminino em separado. Neste preceito, a língua lusitânica considera a pronominação masculina no plural como identificador dos dois sexos em conjunto, ainda que preveja a pronominação do feminino (como exemplo, todas). Com as novas exigências políticas e conjunturais, a língua portuguesa foi (e é), gradualmente, submetida à diferenciação do pronome neutro. Esta obliteração da língua exprime-se nos tratamentos das várias instâncias político-educativas, como as universidades. Um exemplo claro pode ser dado com 2 palavras simples: “caros” e “todos”.

É normal em ambiente de trabalho, por questão de cortesia, respeito e formalidade, a utilização das palavras “caros” e “prezados”. Nas novas “formalidades”, é cada vez mais frequente haver o tratamento de, por exemplo, “caros e caras estudantes”…, ou, então, “caros/as estudantes”. Se analisarmos o que já referimos da evolução da língua, o significado real desta frase é nada mais nada menos que “caros [todos os] estudantes, caras [todas as] estudantes e caras [todas as] estudantes”, o que todos sabemos que corresponde a uma redundância e, portanto, um erro.

No caso da palavra “todos”, a situação fica ainda mais complicada… Em certos documentos, ao invés de aparecer a redundância do “todos e todas” começa, também, a aparecer o erro crasso do inexistente “todes”. Se nos referimos, casualmente, a um público, dizemos, por exemplo “vamos todos ali comer qualquer coisa” e não “vamos todos e todas ali comer qualquer coisa”. Com as novas “tendências”, o comum é existir o seguinte: “vamos todes ali comer alguma coisa”, procurando substituir o artigo definido “o”, que remete para o masculino. Numa “tradução livre” desta frase, obteríamos, portanto, o seguinte: “vamos todos [os homens], todas [as mulheres] e todes [abjeção?] ali comer alguma coisa”. Para além da redundância – que, volto a insistir, é um erro -, também ocorre a implementação de artigos inexistentes na língua portuguesa (sendo que o “e” pode ser conjunção, adjetivo e prefixo).

Apesar de ser solidário com as várias manifestações da emancipação humana, a língua portuguesa não é um brinquedo que pode ser sujeito a experimentos. É um conjunto de regras com o seu sentido e significado que não podem [nem devem] ser quebradas, sobre os pretextos de uma inclusão. A realidade é que a implementação do “e” ou do “os/as” não corresponde a um exercício de respeito e solidariedade, mas sim a uma imensa falta de cultura e demonstração do falhanço (escandaloso) da escola pública e do sistema de ensino português. Na famosa “geração mais preparada de sempre”, a utilização destes termos denota uma autêntica impreparação e utopia na real qualificação dos estudantes, assim como da sociedade em geral. E, em termos políticos, sobre a alçada do politicamente correto, denota uma impreparação e incapacidade de afirmação dos órgãos do saber e da difusão de ciência na manutenção do que sabemos [e não acreditámos, porque a língua não é uma ciência naturalística, mas é fruto do Homem] ser o correto.

E relativamente às palavras “estudante”, “presidente”, “docente”, etc.? Será uma conversa para outro dia… O importante, contudo, será sempre saber que os seus prefixos, neste caso os artigos definidos, são irrevogavelmente inalteráveis.

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