Inicio este artigo com uma pergunta: alguém sabe como funciona o designado sector Social? Permitam-me que tente, de forma sucinta, elucidar.

Como todos certamente sabem, nas sociedades de uma forma geral (e dito de forma muito simplista), os Cidadãos pagam impostos, contribuindo assim para o bem comum, o Governo que elegemos gere esse dinheiro por forma a proporcionar serviços que beneficiam esses mesmos cidadãos: saúde, segurança, educação, etc. A Administração Pública – funcionários e estruturas físicas (hospitais, escolas, etc.) – dependem a 100% desses mesmos impostos (para os quais igualmente contribuem) e das decisões do Governo. Ou seja, o Governo decide os salários dos funcionários públicos bem como a gestão de hospitais, escolas, etc.; que obras se fazem, que equipamentos se renovam e por aí fora.

E no sector social, como funciona? Exactamente da mesma maneira – algo que a sociedade desconhece, sendo que existe autonomia na gestão (embora 95% condicionada pelo Governo). O que quero dizer com isto é que o Governo decide os valores que paga ao sector social pela prestação deste serviço público, invisível, e decide igualmente o que os utentes/clientes/familiares pagam a este sector. Ou seja, estas IPSS não têm qualquer forma de controlar a sua receita, os preços são todos impostos pelo Governo tal e qual numa sociedade Comunista/Socialista. A única diferença aqui, neste modelo, é que há instituições designadas privadas sem fins lucrativos, que ficam no meio entre as decisões do Governo e a prestação do serviço público (idosos, deficiência, infância, etc) pois de resto são uma Administração Pública “escondida”.

Se num hospital público os custos com salários ou com gás e luz sobem e esse hospital dá prejuízo, cá está o Orçamento de Estado para responder, ou seja, os impostos de todos nós. Se numa IPSS o dinheiro é curto, esta tem prejuízo, fica com um problema grave para resolver e que muitas vezes resulta no encerramento de estruturas – menos apoio social e desemprego.

Aquilo para que quero alertar com esta explicação é para o facto de este ser um sector esquecido pelo Governo mas também pelos órgãos de comunicação social, os quais não dão a devida atenção aos graves problemas que se vêm avolumando neste sector e que actualmente vive um momento crítico (o que contribui para o agravar dos problemas, lamentavelmente). Exemplos? Vamos a isso:

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  1. Os custos com a luz subiram 3 vezes e com o gás natural 5 vezes, tal e qual como na indústria. A inflação está nos 9%. O que fez o Governo até agora para resolver o problema? Criou um programa de apoio à indústria e esqueceu-se das IPSS. Ou será que foi de propósito?
  2. No caso dos Cuidados Continuados entre 2011 e 2022 (12 anos), apenas houve um aumento de preços em 2019 de 2,2%, com todos os aumentos de custos verificados, dos quais destaco os aumentos do salário mínimo nacional. Em 2 anos de Pandemia, o Governo não deu 1 cêntimo a este sector, quando reforçou financeiramente todo o sector da saúde. Uma enorme discriminação e perseguição ideológica apenas por ser sector privado.
  3. O Primeiro-Ministro fala na dignificação dos salários mas não aplica isso na Administração Pública nem neste sector (limita-se a sugerir aos privados 20% de aumento em 4 anos mas não dá o exemplo). Na tabela salarial destas organizações (2021, ainda não actualizada), a maioria das categorias profissionais aufere o salário mínimo (onde um cozinheiro já ganha o mesmo que o ajudante de cozinha, por exemplo), um terapeuta ganha 800,00 euros, um psicólogo 900,00 euros e um director 1200,00 euros. Por comparação, a média salarial da função pública é de 1536,00 euros (dados de 2021).
  4. Quem sabe, por exemplo, que nos programas PARES e PRR, em que o Governo anunciou com pompa e circunstância que vai investir milhões e comparticipar a fundo perdido com 80% do custo do investimento (que no seu delírio o Governo estimou em pouco mais de 600,00 euros o m2), na prática vai dar 25% a fundo perdido (pois o custo m2 ronda os 1600,00 euros) e exige contractos de fidelização de 20 anos em troca desse mísero valor? E já agora, importa referir, estamos a falar de valores sem IVA.
  5. Por acaso o leitor conhece algum sector da actividade económica em que praticamente 40% das empresas dão prejuízo? Pois é o caso das IPSS, dados de um estudo da Universidade Católica do Porto publicado em dezembro de 2018. Desde então para cá o cenário piorou, infelizmente.

Muitos mais exemplos poderia dar mas gostava que este artigo servisse para que, quer a opinião pública, quer os jornalistas, dessem mais atenção a um sector que é fundamental para o bom funcionamento do País, sobretudo para as pessoas mais vulneráveis (económica e socialmente), sector que representa 6% do emprego nacional (e já agora, onde existe uma enorme falta de mão-de-obra, precisamente devido aos baixos salários e a um trabalho que é muito difícil, o que se traduz, por vezes, na diminuição da qualidade do serviço prestado).

Este Governo, infelizmente, não antecipa os problemas (apesar de alertado por diversas personalidades, nas quais me incluo) e nem mesmo com a casa a arder tenta sequer apagar o fogo, isto é, resolver os problemas graves já existentes. O importante é mesmo a propaganda e comunicações mentirosas, enquanto os problemas se agravam.

Receio que nos próximos meses, com recessão + inflação + subida das taxas de juro, as IPSS tenham de optar entre pagar os salários ou a conta da luz e gás, pois o dinheiro não chega para tudo, e, com isso, haja uma hecatombe neste sector com todas as consequências para a sociedade portuguesa.

Acresce a isto que quem assinou contractos para criar mais vagas em Creche, na deficiência ou idosos, nos programas PARES e PRR que referi, já está a desistir desses investimentos, pois não tem capacidade financeira para a sua realização. Além da falta que estes investimentos fazem ao País, são milhões de verbas do PRR que se vão perder.

Por fim, com o aumento da inflação em geral e dos custos com luz e gás em particular, estas IPSS estão a pagar ao Estado, sobretudo em IVA mas também noutros impostos, mais do que o Estado lhes está a devolver (apenas nalguns casos pois noutros devolve zero). Parece incrível, mas em vez de apoiar estas instituições num momento gravíssimo, o Governo não só não aumenta os preços a pagar pelos serviços (como é exemplo os cuidados continuados) como ainda lhes retira, através dos impostos, o pouco que têm para fazer face a todos os aumentos de custos por força da imposição do salário mínimo e outros custos (que todos conhecem e sentem no dia-a-dia), como sejam os bens e serviços em geral.

Tudo apenas e só por perseguição ideológica e incompetência deste (des)Governo.