Há umas semanas, fomos a Londres. Quis comprar umas coisas numa farmácia, e levei a minha filha comigo a Boots (cadeia gigante de farmácia-parafarmácia), porque é uma grande cornucópia de champôs, maquilhagens e coisas de que ela gosta, e é tudo mais barato do que cá. Para uma das coisas que queria comprar, não sabia se seria preciso ter receita médica. Cá em Portugal, é preciso receita, mas as regras para as farmácias e parafarmácias são diferentes em Inglaterra, e por isso, perguntei ao balcão.

A farmacêutica-assistente disse que não conhecia o remédio, e foi chamar a farmacêutica-principal. A farmacêutica-principal chegou, conversou comigo sobre o assunto e explicou-me que no Reino Unido o artigo que eu queria é vendido nas lojas de produtos naturais, e indicou-me a que ficava mais perto.

Saímos da farmácia com sacos de champôs e maquilhagem, e a minha filha virou-se para mim e disse-me: «bem, isto foi mesmo esquisito».

«O que foi esquisito?», perguntei

«Elas não falaram contigo como se fosses uma idiota!»

Ah, isso.

Eu já deixara de reparar que ao pedir algo inesperado numa farmácia ou em qualquer outra espécie de loja em Portugal, poucas vezes a resposta é “hum, não sei, vou perguntar”. Em vez disso, a resposta mais frequente é uma espécie de «isso não existe, por que raio é que anda à procura disso?!», com um abanar de cabeça e uma expressão facial que dá ideia de que a pessoa que está a pedir o artigo em questão — eu — é idiota. A minha filha, desde que começou a comprar coisas sozinha, já notou, e daí o seu espanto em Londres.

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Eu já deixara de reparar porque evito instintivamente perguntar coisas “complicadas” nas lojas portuguesas. Tenho uma reacção alérgica ao «o quê?!», acompanhado de testa franzida.

A minha filha e eu comprovámos esta tese quando regressámos a Lisboa e ela precisou de um artigo de uma loja de artes (um artigo que sei que existe, e que já comprei várias vezes). Não o encontrámos nas prateleiras, e fomos perguntar ao balcão.

«O quê?!» disse o homem, com testa franzida, beicinho e o conveniente ângulo de cabeça para dar ideia de que a pessoa que estava a perguntar — eu — era idiota. A minha filha, que nunca será diplomata, disse-me logo à frente dele: «Estás a ver?!», e saímos.

Tenho a certeza de que isto tudo tem a ver com o estranho síndroma português do especialista. Se alguma pessoa é especialista em alguma coisa (pode ser um neurocirurgião, uma cabeleireira, ou um varredor de ruas), essa pessoa é a única pessoa autorizada a conhecer qualquer facto ligado à sua área. Mais ninguém pode saber nada sobre o cérebro, a coloração de cabelo, ou a limpeza das ruas. E por isso, o especialista utiliza sempre um tom paternalista e cansado para fazer sentir esse facto a quem tenta invadir a sua zona de conhecimento exclusivo.

O “síndroma do especialista” dá também ao suposto especialista a necessária autoconfiança para afirmar que se ele nunca ouviu falar de uma coisa, então essa coisa não existe, e você é um idiota por pensar o contrário.

É tudo muito estranho, e contraproducente. Porque o “síndroma do especialista” cala as pessoas, já que ninguém gosta de passar por estúpido. As pessoas deixam de fazer perguntas. Mas fazer perguntas é a única maneira que evoluirmos, ou não?

(traduzido do original inglês pela autora)

Expert syndrome

A few weeks ago, we were in London. I wanted to get some things in a chemist. I took my daughter with me to Boots because it is a wondrous cornucopia for shampoos and make up and general stuff, and all so much cheaper than here. For one of the things I required, I wasn’t sure if one needed a prescription for it or not, or even if they sold that sort of thing. Here in Portugal, it had been precscribed and, therefore, bought in the chemist, but the pharmacy systems and rules are different here and there, so I asked at the pharmacy counter.

The assistant pharmacist said that she didn’t know, and went to ask the head pharmacist to come and talk to me. The head pharmacist came out, discussed the item with me and explained that, in the UK, what I was asking for was sold in natural health food stores and told me where to find the nearest one she knew of.

We left the chemist with our other goodies, and my daughter turned to me and said “well, THAT was weird”.

“What was weird?”

“They didn’t talk to you like you were an idiot!”

Ah, that.

I had stopped noticing that if one asks for something unexpected in a pharmacy or any other kind of shop, here in Portugal, the response is very often not a pleasant “oh, I’m not sure, I’ll ask” or “I have no idea what that even is, but I wonder if Bob in the hardware store will know…”. Instead you get a “that’s not a thing, why would you even ask!?” and a shake of the head all expressed with a facial expression that denotes that I, the question asker, am an idiot. My daughter, now at an age where she needs to go to shops to find things, has started to find this for herself, hence her surprise in London.

I had stopped noticing, because I have stopped asking “difficult” questions in shops. I have an allergic reaction to “o QUÊ?”, with a furrowed brow, a frown and that angle of the head that denotes that the question asker, me, is an idiot, in response to a question about, say, a piece of equipment I need in an art supplies store, an item that I damn well know exists. I have been told many times in such circumstances that what I am asking for doesn’t damn well exist and often with an air of “how would YOU know anyway?”.

My daughter and I put it to the test when we got back to Lisbon, when she needed a piece of equipment from an art supplies store for a school project. It was not on the shelves, and so I asked for the thing (a thing which I have bought from art stores in the past).

“o QUÊ?” said the man, with a furrowed brow, a frown and that angle of the head that denoted that I, the question asker, was an idiot. My less than diplomatic daughter shrieked with laughter, said “VÊS???” and we left, to see if Bob in the hardware store had any.

I am sure it is all down to expert-syndrome, the mystical Portuguese syndrome of automatically kowtowing to the expert. If someone is an expert in something (this can be a brain surgeon, a hairdresser, a road sweeper, anyone) they are the only ones who can know anything about their subject (be it brain surgery, hairdressing, road sweeping). You might be a rocket scientist, but you are not permitted to know about anything about the brain or hair colouring or cleaning the roads. The expert uses a patronizing, weary tone to explain this to you at length any time you dare step out of “your” area.

This syndrome gives the expert the confidence to assert that if they’ve never heard of a thing, then that thing doesn’t exist, and you are an idiot for asking for it.

If the art store cashier asks for something unexpected in a pharmacy, the pharmacist will do the “o QUÊ?” thing. If the pharmacist asks for something unexpected in the art store, the art store cashier will respond in the same way. It is all very odd. It is all very counter-productive.

Expert syndrome shuts people down, because no one likes to be made to feel stupid. It stops people from asking questions.

Asking questions is how we get places.