“(…) they are now in this country in some measure all socialists. If it is no longer fashionable to emphasise that ‘we are all socialists now’, this is so merely because the fact is too obvious.”

F. A. Hayek, The Road to Serfdom

Em artigo recente no Observador, o Professor Jaime Nogueira Pinto discute a preocupação da direita com as questões sociais, preocupação essa que não é exclusiva da esquerda. Aparentemente, a tal direita social também partilha com a esquerda o menosprezo pela alegada primazia do económico. Tudo isto é verdade. O problema é que na origem histórica desta versão da direita está o socialismo. Há muitas formas de estar na direita, mas várias dessas formas, desde alguma direita de inspiração democrata-cristã até versões da direita mais estatistas, partilham com o socialismo os mesmos princípios fundadores. Na prática, ao nível das consequências das propostas políticas, pouco ou nada distingue esses “modos de ser de direita” do socialismo, por muito que nos identifiquemos politicamente como bem entendemos.

James C. Scott, um cientista político e antropólogo de Yale, dedicou a sua vida académica a estudar como o Estado tende a comportar-se. O que o Estado faz está, amiúde, em contradição com o que a teoria política e/ou a filosofia política imaginam. Independentemente das mais variadas teorias, sejam estas inspiradas pela direita ou pela esquerda, na origem do Estado pré-moderno e do Estado moderno está a obsessão pela cobrança de impostos. Por exemplo, a transição para as sociedades agrárias foi acompanhada do desenvolvimento de ferramentas contabilísticas que permitiam às cidades-estado pré-modernas calcularem o valor das colheitas por forma a recolherem os devidos impostos. É também daí que surge a obsessão pela monocultura, a qual torna o cálculo do valor da colheita mais fácil, o que naturalmente também facilita a cobrança de impostos. Tal obsessão com a monocultura caracteriza também o desenvolvimento das burocracias estatais ao longo dos séculos XVII e XVIII, sendo a razão a mesma: a facilidade na cobrança de impostos. Foi assim, aliás, que por toda a Europa (seguindo o exemplo da Alemanha) as florestas foram desenhadas.

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Na análise de alguns esquemas estatais patrocinados pelo estado durante o século XX, James C. Scott chega a uma conclusão ainda mais interessante: a obsessão do Estado pela cobrança de impostos é complementada pela crença firme na possibilidade de redesenhar a sociedade e de melhorar a condição humana. Tal crença foi, e é, partilhada pela esquerda e pela direita. Mais uma vez, isto é observável na forma como os Estados se comportam, não necessariamente (ou somente) na forma como, à esquerda e à direita, o Estado foi imaginado por cientistas e filósofos políticos.

Nesta história, há pormenores deliciosos. Por exemplo, a crença na possibilidade de desenhar a cidade ‘moderna’ perfeita, capaz de condicionar (de forma também ela perfeita) a vida dos indivíduos nas cidades, foi partilhada pela União Soviética e pelos Estados Unidos. Le Corbusier era desse ponto de vista neutral – segundo o próprio, as suas cidades eram possíveis em qualquer regime político. E aquilo que as suas cidades pretendiam alcançar falhou redondamente, como a antropóloga Jane Jacobs demonstrou a partir de um trabalho etnográfico notável.

O mesmo tipo de imaginário, à esquerda e à direita, informou também a obsessão, por volta dos anos 30, por “grandes empresas”, nomeadamente agrícolas: a criação artificial de unidades agrícolas extraordinariamente grandes ocorreu ao mesmo tempo na União Soviética e nos Estados Unidos da América. O falhanço de tais unidades centralmente desenhadas também foi comum a ambos os países, embora, é verdade, com consequências materiais bastante distintas.

Estas semelhanças ao nível do comportamento do Estado, quer à direita quer à esquerda, resultam da crença partilhada na razão, na possibilidade de usar a ciência para melhorar a sociedade e no valor inestimável dos especialistas tornados burocratas. Isto é: ao nível dos princípios, a partir de meados do século XX, pouco ou nada distingue a esquerda da direita. Ambas são profundamente modernas. E isso, com o decorrer do tempo, deu origem a comportamentos do Estado semelhantes, independentemente de o Estado ser alegadamente “controlado” pela direita ou pela esquerda. E é precisamente por ambas as áreas políticas estarem “presas na modernidade” que aquilo que fazem quando no poder tende a não ser distinto.

É verdade, como muito bem refere o Professor Jaime Nogueira Pinto no seu artigo, que a direita e a esquerda sempre partilharam preocupações sociais. Mas tais preocupações, ao nível da forma como o Estado se comporta quando governado pela esquerda ou pela direita, tendem a manifestar o mesmo mal: a crença na possibilidade de melhorar a condição individual e social por via de políticas centralmente desenhadas, as quais tendem inexoravelmente a traduzirem-se em políticas económicas centralizadas, e por isso mesmo de cariz socialista. A preocupação social da direita e da esquerda é a mesma, o que resulta em propostas de pendor económico semelhante, tipicamente erradas diga-se de passagem. Esquerda e direita tendem assim a partilhar a origem histórica, os princípios fundadores (assentes na racionalidade moderna), bem como as mesmas propostas. Propostas essas que tendem a ser profundamente erradas do ponto de vista económico. Sucede que a rejeição do primado do económico não constitui em si argumento moral que sustente uma alegada preocupação com o que é do plano do social; sucede ainda que a rejeição do primado do económico não altera a realidade dos factos económicos.

Houve em tempos uma certa direita, que caracterizava o partido Conservador Britânico e o Partido Republicano Norte-Americano, a qual acreditava no pragmatismo – foi isso, aliás, que permitiu a ambos os partidos liderarem períodos de extraordinário crescimento económico, os quais foram sempre caracterizados por uma rejeição clara da primazia do Estado na economia e pela contenção fiscal. O pragmatismo conservador permitiu conciliar a acção do Estado com o respeito por um conjunto alargado de valores centrados na defesa do indivíduo e do local, sempre em detrimento do planeamento central. Foi desse pragmatismo que resultou a percepção junto dos eleitores de que em épocas de recessão, o melhor seria eleger um partido à direita. Tal pragmatismo já não existe. Os partidos de direita (incluindo nos EUA e no Reino Unido) têm liderado governos em que as burocracias estatais e os impostos crescem. Daí também a crise generalizada que partidos como o Conservador no Reino Unido vivem: a preferência pela liberdade individual e a consequente desconfiança, baseada na prudência, do estado foram sempre valores tradicionais do conservadorismo. Não do conservadorismo português, o que explica o estatismo generalizado da direita portuguesa, a qual nunca conviveu bem com a liberdade económica individual. Em Portugal nunca houve na verdade direita, mas sim alternância entre socialismo científico e socialismo científico de alegada inspiração católica-humanista. Infelizmente, nenhum dos dois funciona, embora a inspiração católica-humanista possa garantir pelo menos alguma decência na condução do país em direcção ao abismo. Digo isto sem qualquer tipo de ironia.

Nota Editorial: Os pontos de vista expressos pelos autores dos artigos publicados nesta coluna poderão não ser subscritos na íntegra pela totalidade dos membros da Oficina da Liberdade e não refletem necessariamente uma posição da Oficina da Liberdade sobre os temas tratados. Apesar de terem uma maneira comum de ver o Estado, que querem pequeno, e o mundo, que querem livre, os membros da Oficina da Liberdade e os seus autores convidados nem sempre concordam, porém, na melhor forma de lá chegar.