O que distinguiu e distingue as direitas das esquerdas – chamemos-lhe assim, por comodidade – nunca foi só a economia. E hoje não o é claramente.

Mas há neste canto ocidental da Europa uma pequena aldeia mediática que resiste ainda e sempre a abandonar o mundo encantado do PREC, os tempos da Guerra Fria ou o que seja. Nesse mundo encantado, as duas direitas que, aparentemente, existem – ambas isentas de “preocupações sociais”, como lhes compete – são: a) uma direita fascista, racista, populista, má e inimiga dos imigrantes, das causas sociais e das amplas liberdades democráticas; e b) uma direita liberal, inimiga dos trabalhadores e amiga dos empresários, da iniciativa privada e do “grande capital”.

Só as esquerdas – boas, generosas, acolhedoras, progressistas e amigas de todos os seres vivos em geral e de cada ser vivo em particular – podem abraçar simultaneamente e sem sombra de demagogia as causas sociais, o Estado Social, os pensionistas, as contas certas, as contas incertas, os nativos, os imigrantes, o mundo global, enfim, o Planeta.

Em Portugal, talvez por termos tido uma tentativa de instauração de um regime comunista, com a nacionalização das principais indústrias e dos bancos depois do 11 de Março 1975, a ideia de que Direita e Esquerda se distinguem só, ou quase só, pela economia cristalizou-se. Para isso terão também contribuído as políticas economicamente liberais do thatcherismo e do reaganismo – que enfrentavam o poder dos sindicatos no Reino Unido e o peso da carga fiscal nos Estados Unidos – e a afirmação do mercado livre em relação às economias de direcção central dos países comunistas.

Mas estas diferenças eram ou tornaram-se conjunturais. Com o fim da União Soviética, o modelo socialista de economia deixou de ser uma opção (hoje restam, como Estados socialistas, a Coreia do Norte, Cuba e a Venezuela) e até a República Popular da China se transformou num capitalismo de direcção central.  Como tal, passou a haver apenas um modelo de economia – a economia de mercado, mais liberal ou mais social, mais ou menos regulada. Ou seja, não havendo Estados socialistas, há diferenças importantes em economia, mas só quanto a um maior ou menor investimento em obras públicas, um maior ou menor incentivo à iniciativa privada, uma maior ou menor carga fiscal, um maior ou menor grau de incompetência, corrupção, compadrio e uso e abuso do poder político.

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Assim, as questões que dividem Direita e Esquerda são hoje essencialmente políticas e de ordem ética e moral. Das questões políticas, a mais importante será talvez a contraposição nacionalismo-globalismo. Ou, se se quiser, patriotismo-internacionalismo ou federalismo europeu. São de direita os que acreditam que a fronteira é importante, que a identidade nacional conta e que os direitos, garantias e liberdades das pessoas são mais bem defendidos no e pelo Estado soberano. E que um mundo de Estados soberanos e independentes, com todos os seus riscos, é melhor que um mundo sem fronteiras, gerido pelas sinarquias e oligarquias do dinheiro e da tecno-burocracia multilateralista. Mesmo o liberalismo de direita, tal como outrora o de Thatcher ou de Reagan, tem necessariamente de privilegiar a nação.

E depois há as questões relativas à vida e à família, ao modelo de sociedade e até de humanidade, que unem grande parte das direitas, embora haja liberais em costumes que se afirmem de direita e se assista, em França, a uma direita laica, bem definida nas questões da nação e da identidade nacional, mas liberal e hedonista nalgumas questões fracturantes – como se tornou evidente na recente votação da integração na Constituição de 1958 da liberdade de abortar.

Mas se a direita de cada país é marcada pela sua tradição nacional e tem a afirmação da identidade e da independência nacional como valor primeiro, todas as direitas, sem abdicarem do princípio da liberdade económica e da existência do mercado, são unânimes na preocupação social.

As direitas conservadoras são tributárias da direita social católica, com raízes nos movimentos católicos alemães, franceses e italianos da segunda metade do século XIX; as outras, as chamadas nacionais-populistas, democráticas na ideologia e na prática, mantêm a forte referência social das direitas nacionais revolucionárias do século XX, que tinham opções autoritárias e totalitárias. Lembre-se, entretanto, que o Estado social começou na Alemanha com Bismark, um nacional-conservador.

Seja como for, ignorar a tradição e a presença da direita social, ou a forte preocupação social à direita, pode ser uma estratégia compreensível no calor de um debate político-eleitoral, mas entre comentadores supostamente objectivos e imparciais não pode deixar de ser um alarmante sinal de ignorância, de maniqueísmo ou de falta de independência analítica.

Mas tudo é possível neste extremo ocidental da Europa, onde até o jornalismo de referência nos assegura que toda a preocupação social é socialista e toda a intervenção estatal é de esquerda, devendo a Direita abandonar a demagogia e ater-se à sua proverbial maldade e ao seu endémico egoísmo, concentrando-se exclusivamente ora no iliberalismo ora na iniciativa privada, no proveito próprio e no capitalismo selvagem – que, isso sim, são coisas de direita e não poderão nunca confundir-se com “socialismo”.