Um pai ensina um filho a apertar os sapatos, a saltar para a piscina e a chutar à bola, mas há uma coisa que não se ensina: a carregar a mala do carro, antes de ir de férias. E, no entanto, há um dia em que um filho se transforma em pai e verifica que está sozinho. Só ele, a mala do carro e uma montanha de sacos e saquinhos que a sua mulher vai depositando na entrada da casa.
Quem já se confrontou com este rito iniciático da vida familiar sabe do que falo e quem nunca fez a pergunta retórica: “isto também é para ir?”, que atire a primeira mala.
Como passo as férias de verão em sítios diferentes faço 4 a 6 malas do carro em cada verão, o que, no modelo pós-Bolonha, me permite ser doutorado em malas. A primeira regra que aprendi nessa universidade da vida foi a de que a quantidade de coisas que se levam não é proporcional ao número de dias de férias. A mala irá cheia a transbordar, quer se vá passar o fim de semana fora, quer estejam à vista as famosas “férias grandes”. E como os chineses perceberam durante a política do filho único, basta um filho para se encher uma mala.
A segunda regra que aprendi, no dia em que entalei um dedo debaixo de uma “Samsonite” em overbooking de tralhas, é a de que o número de litros – é muito revelador que as malas se meçam em litros, quando se enchem de quilos – da mala do carro é irrelevante. A mala irá cheia a transbordar, quer tenha uma capacidade de 5 litros ou de 500 litros, porque as coisas que se levam são como o gás: ocupam todo o espaço disponível.
A terceira regra é a mais simples: é certo e sabido que quando se pensa que não há mais bagagens para colocar, aparece sempre mais um saco esquinado, mais uma banheira de bebé, mais uma cama de viagem, mais o redutor da retrete ou o saco térmico, que, para ir fresquinho, chega sempre em cima da hora, juntamente com o argumento feminino de que “pode ir aos pés”, sem, no entanto, se especificar aos pés de quem, quando só já o espaço aos pés do condutor está livre, apesar de semi-ocupado com os pedais.
Durante muito tempo, a minha gabarolice automobilística era a de conseguir ir de férias com a minha mulher, todos os seus sapatos e duas crianças pequenas e, mesmo assim, levar a cortina da mala do carro puxada. Quando lançava este tema, era ver os meus amigos a baixarem os olhos de vergonha, confessando que já nem sabiam usar o retrovisor de dentro do carro e até já tinham comprado um “charuto” para pôr no tejadilho. Um deles até contou, em sussurro, que uma vez, numa travagem mais brusca, uma alheira congelada tinha vindo disparada lá de trás e tinha feito uma mossa no tablier.
Este ano tudo mudou e apesar de ter uma carrinha maior e irmos o mesmo número de dias de férias com o mesmo número de filhos, já não consegui correr a cortina. É triste mas é verdade. O exímio jogador de Tetris automóvel de outrora, cedeu este ano, ainda antes de o Usain Bolt cair.
A minha mulher dirá que fui mais relaxado a arrumar as coisas, confiando nos litros extra da mala do carro mas eu sei bem que o culpado de tudo é o eixo moda-segurança infantil que, lá em casa, liga os três membros da família que não têm de se preocupar com a mala do carro. Para se ver como a justiça na distribuição dos espaços não chegou ainda ao carro da maioria das famílias portuguesas (a tomar a minha como exemplo) basta dizer que o espaço destinado ao meu saco de roupa é o espaço que fica entre as duas cadeirinhas das crianças, que, como toda a gente sabe, atendendo ao tamanho desmesurado dos auto-tronos infantis dos dias de hoje, é virtualmente um não-espaço.
Este ano, quando entrei na reta da meta de fazer a mala ainda pensei que cumpriria o sonho de fechar a cortina, no caso de ganhar coragem para esmagar o pão-de-ló. Mas quando já estava quase a festejar, eis que vejo chegar o terror de qualquer fazedor de malas: o carrinho de bebé. Se há objeto que não foi desenhado para caber na mala de um carro é um carrinho de bebé. Até parece que há ali uma incompatibilidade genética que impede um carrinho de caber dentro de um carro. Ainda pensei atar o carrinho ao para-choques do carro e deixá-lo ir a deslizar até ao Algarve, que é para isso que tem rodas, mas com isso ainda iria pagar classe 2 nas portagens e desisti.
No final das férias, o ritual repete-se e, por estranho que pareça, apesar de se ter comido parte da comida que se levou e se terem perdido alguns brinquedos na praia, a mala ainda custa mais a fazer. Venho de regresso a Lisboa, anestesiado pelo Voltaren que espalhei pelas costas, a pensar que o Sport-Billy nunca teve mulher e filhos, que lhe permitissem testar os limites da sua famosa mala.
Chego a casa e já estou com saudades das férias, da praia e da piscina. Deve ser por isso que inventaram a expressão “fazer piscinas”, que é o que ainda tenho de fazer para levar as tralhas escada acima, juntamente com os filhos a dormir, que, como se sabe, pesam mais do que acordados. Para o ano, peço o carro emprestado ao Blaze e a ajuda da Patrulha Pata, pois a minha mulher já me disse que, com jeitinho, ainda conseguíamos ter levado no carro a babysitter!
Advogado