O que determina o sucesso? Os genes? O treino? Ou apenas o acaso? Falemos do talento musical, onde pode haver uma influência directa do progenitor, seja via genes ou via treino. No caso dos músicos Tim e Jeff Buckley, é sabido que pai e filho apenas se cruzaram uma vez na vida, portanto aqui talvez digamos “genes”. Mas o que dizer de Ravi Shankar e das suas duas filhas, que também são músicas? Para Norah Jones, que não foi criada pelo pai… o veredicto poderá ser “genes”. Para Anoushka Shankar, “treino” e… “genes”, também. E o acaso, certamente.
Neste respeito é curioso falar de Mark Oliver Everett, músico dos Eels, cujo pai Hugh Everett foi um físico distinto. Aparentemente não há aqui uma ligação musical aos pais, embora um cientista músico não seja novidade (veja-se o astrofísico Brian May, que adiou, é certo, por uns anos a defesa da sua tese de doutoramento, por causa da sua carreira estelar nos Queen). Ou seja: os genes podem influenciar, mas não são o factor decisivo. O acaso inerente à vida pesa muito e aqui podemos falar do trabalho de Hugh Everett. Ele propôs a chamada Interpretação dos Muitos Mundos em que a cada instante a realidade se desdobra em muitas possibilidades, que prosseguem cada uma no seu próprio universo, que por sua vez se desdobra, etc. Se assim for, todas as potencialidades da nossa vida vão acontecer algures no multiverso e portanto tudo o que podemos é aspirar a ter a sorte de viver no universo certo. Não pretendendo arriscar, prefiro a alternativa, que é lidar de frente com a aleatoriedade da vida, tentando maximizar as hipóteses de sucesso.
Como conseguir isso? Pela educação formal e pela difusão geral do conhecimento. Do ponto de vista societal, a divulgação do saber é um investimento com retorno. O valor dos incontáveis acidentes que são evitados pelas pessoas que sabem o que estão a fazer é incalculável. E imagine-se de forma simples o seguinte cenário: um jovem vê um episódio da rubrica A Última Fronteira da RTP, ou do Isto é Matemática da SIC (a propósito, para quando o seu regresso? E por que não um Isto é Física, ou Engenharia?), ou visita um Centro Ciência Viva e fica impressionado com o que vê. Anos depois, cria uma empresa de base tecnológica, que contribui mais para o PIB do que o orçamento plurianual daquele Centro, que assim se terá pago a si mesmo.
Ou seja, mesmo contando com alguma aleatoriedade inerente às acções de divulgação do saber, desde logo no que toca à cobertura da população-alvo, tais iniciativas têm um amplo potencial de retorno, podendo gerar inúmeras coincidências felizes. Quando falamos de sucesso, sabemos bem que a sorte dá muito trabalho.
Augusto Moita de Deus é professor do Instituto Superior Técnico