A não eleição dos candidatos à vice-presidência da Mesa da Assembleia da República propostos pelo Chega e pela Iniciativa Liberal é passível de múltiplas leituras.
Em primeiro lugar, convirá recordar que não é a primeira vez que a Mesa da Assembleia fica incompleta. De facto, em 1995, Kruz Abecasis, indicado pelo CDS, na altura o partido com a terceira maior bancada parlamentar, não conseguiu ser eleito e a Mesa funcionou com apenas três vice-presidentes e não com os quatro previstos no regimento. Uma situação que se vai repetir na presente legislatura, com a agravante de só haver duas vice-presidências. Algo que não abona a favor da qualidade democracia portuguesa.
Aliás, não é por acaso que o mais recente Índice de Democracia elaborado pelo The Economist coloca Portugal nas democracias imperfeitas, sendo a participação política, com 6,67, e a cultura política, com 6,88, os dois critérios com pontuação mais baixa, numa escala que varia de zero a dez. Ora, a pontuação atribuída à cultura política remete para um inegável défice democrático por parte dos partidos da denominada mainstream e permite perceber a não eleição dos candidatos propostos pelo terceiro e quarto partidos com maior representação parlamentar.
Sendo certo que a circunstância de o PS dispor de maioria absoluta seria suficiente para a mesa funcionar de forma completa se essa fosse a vontade do partido do Largo do Rato e a disciplina de voto fosse exigida, não é menos verdade que não foram apenas os deputados socialistas que negaram o apoio às candidaturas frustradas. Uma prova de que, ao arrepio da vontade dos eleitores, os partidos habituados à presença no hemiciclo gostam de olhar para a Assembleia da República como um feudo.
Uma coutada que, no entanto, será difícil de manter se forem tomados em linha de conta os estudos existentes sobre o sentido de voto, designadamente no que diz respeito à estrutura etária e ao nível de escolaridade dos eleitores. Na realidade, não vai ser fácil a estes partidos justificarem a não eleição de João Cotrim de Figueiredo, sobretudo junto dos eleitores mais jovens e mais instruídos. Uma fatia do eleitorado que se recusa a aceitar acriticamente as decisões.
Mais fácil de explicar seria, à primeira vista, a não eleição do representante do Chega e não apenas pelo facto de o primeiro nome indicado, Diogo Pacheco de Amorim, ter um passado político ligado ao Movimento Democrático de Libertação de Portugal (MDLP) e ao Movimento para a Independência e Reconstrução Nacional (MIRN). A estratégia do cordão sanitário destinado a marginalizar os partidos populistas antissistema, apesar dos fracos resultados e de algumas exceções, tem um longo historial. Porém, o caso muda de figura quando o Chega, frequentemente acusado de práticas a roçarem a xenofobia e o racismo, como a recente colocação de outdoors nos quais André Ventura apresenta o Chega como o partido dos portugueses de bem, indicou Gabriel Mithá Ribeiro, um candidato de ascendência africana e indiana. Uma escolha visando a posterior vitimização. Uma estratégia que os populistas dominam na perfeição.
Por isso, após a derrota, o fenótipo do candidato permitiu-lhe dizer que tinha sido rejeitado num país que diz combater o racismo há décadas. Uma forma de dizer, ainda que implicitamente ou nas entrelinhas, que não era o Chega, mas sim o sistema, que deveria ser acusado de racismo e xenofobia.
Face ao exposto, talvez não seja abusivo concluir que a circunstância de, em Portugal, os partidos da mainstream se terem recusado a olhar para a forma como o país vizinho tratou a mesma questão acabará por servir os interesses dos agora derrotados. A menor visibilidade parlamentar a dar lugar a uma maior aceitação política por parte do eleitorado.
Como decorre da História, há derrotas que, a curto e médio prazo, são usadas como trunfo para alcançar o triunfo.