Fico contente por, finalmente, se discutir a sério os problemas da Junta de Freguesia de Santa Maria Maior. É aliás um acto de civismo perante uma zona histórica de Lisboa que deixou de convidar o sol e mais não é do que um lugar sombrio e decadente.

Começando a subir em direcção à Graça, junto ao Largo do Intendente, a luz maravilhosa da cidade desaparece completamente. Difunde-se entre o lixo imundo que corrói a calçada portuguesa, as cuspidelas no chão que, todas juntas, fazem lembrar um quadro do Jackson Pollock, o barulho ríspido dos berros de fregueses que, pelas mais diversas razões, não se entendem, o olhar hostil e ameaçador com que se é recebido e o fumo, ora branco ou preto, que salta à vista do cachimbo de prata e se mistura com cheiro a ganza.

Bem, normalmente o cheiro a ganza vem só dos avant-garde. Indiferentes ao preço da cerveja, enchem as esplanadas do impecável Largo do Intendente e olham para cima à procura do unicórnio idílico, deixando-se estar assim, felizes, e numa completa ignorância por não saberem o que se passa umas ruas acima.

Eu tenho a sorte de ter um andar na Mouraria. Nos últimos 4 meses o prédio foi vandalizado, a porta de entrada arrombada, a porta dos andares forçada, o hall comum lugar idílico para tertúlias de prata em dias de chuva, e a minha prioridade poiso para pernoitar sem cerimónias.

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Da esquerda à direita, ao centro, não há como negar o estado lamentável em que se encontra esta zona fabulosa de Lisboa. Não há como não ser honesto nesta matéria porque basta ir lá.

E os problemas não são só de quem lá vive. Esta realidade decadente, mas factual, devia preocupar todos. O consumo desenfreado de droga, o crime, a podridão da sujidade humana, a completa falta de civismo, são matérias além bairro, indignas de uma capital que se quer posicionar como europeia: amável e convidativa, progressista e repleta de unicórnios.

Por isso as denúncias que têm sido feitas devem ser tratadas com a seriedade que exigem e não com sonhos imaginários de quem vê a luz onde ela não existe. É preciso implementar um plano eficiente e rapidamente. Fazer um esforço monumental para pôr qualquer ideologia de lado e enfrentar a situação, tal como ela é, indigna para todos. A Mouraria precisar de se libertar do fumo negro que por lá paira e deixar o sol entrar novamente.

Já que o Presidente da Junta vive noutra realidade e, pelos vistos, a PSP também, seria assim, talvez, uma boa ideia que Carlos Moedas estivesse menos preocupado com faits divers com Miguel Sousa Tavares, e mais concentrado nos desafios que ainda tem pela frente. Julgo que também seria bom que se convencesse que Lisboa não é um antro de unicórnios cor de rosa, mas sim uma cidade de gestão complexa. Ou então sugiro que o Presidente da Câmara Municipal de Lisboa vá até às Escadinhas das Olarias falar dos unicórnios que tanto aprecia. Lá há, todos os dias, seja meio dia ou meia noite, pessoal a fumar crack. Normalmente, em grupos de quatro. Talvez, enquanto jogam uma cartada e apreciam a beleza ao seu redor, possam ver, os cinco, o unicórnio da Mouraria. Chamar por ele e esperar que, por magia, resolva todos os problemas.