A 4 de Dezembro, em Nova Iorque, Luigi Mangione matou a tiro, pelas costas, Brian Thompson. Thompson era o CEO da seguradora UnitedHealthCare. Por isso, as redes sociais promoveram o seu assassino a uma espécie de Zorro, um justiceiro que se teria sacrificado na luta contra o capitalismo na saúde.
Nem tudo é ainda claro acerca de Mangione, filho de família rica, educado numa universidade de elite. Mas já são claras duas coisas. A primeira é que ele próprio quis atribuir ao seu crime motivos políticos, à maneira do célebre Unabomber. Daí que a justiça de Nova Iorque o tenha acusado de “terrorismo”, e não apenas de “homicídio”. A segunda é que encontrou demasiada gente que, mesmo não celebrando o crime, se dispôs a justificá-lo. Segundo uma sondagem do Emerson College, 41% dos adultos americanos com menos de 30 anos considerou o assassinato “mais ou menos aceitável” ou “completamente aceitável”.
Imaginem que Mangione era um extremista anti-Estado como Timothy McVeigh, o bombista de Oklahoma em 1995. A imprensa estaria agora a investigar a sua “radicalização”, isto é, as causas do crime seriam tratadas como ilegítimos preconceitos ideológicos. Mas Mangione, pela escolha do alvo e pelo seu manifesto, deu-se um ar de esquerda anti-capitalista. As causas do crime são assim tratadas como legítimas queixas sociais, e a imprensa discute o sistema de saúde americano.
O que é necessário para considerar o crime uma forma de protesto aceitável? Termos, da nossa sociedade, a ideia de que é apenas um sistema de poder injusto e brutal. É a ideia que parece ter Alexandra Ocasio-Cortez. A propósito do assassinato, notou que negar cobertura de seguro também é um “acto de violência”. Contra uma sociedade assim concebida, justifica-se usar “todos os meios necessários”, como dizem os fãs do Hamas.
O crime de Mangione foi um acto isolado. Mas a reacção a esse acto desvendou uma tendência no que chamamos “wokismo”, a cultura política prevalecente à esquerda. Até há pouco tempo, o wokismo parecia dominar escolas, comunicação social, indústria do espectáculo, grandes empresas, e até a justiça. Era como se seguisse a receita de Antonio Gramsci: chegar à revolução amestrando a sociedade, de cima para baixo, através das instituições. Mas a vitória de Trump foi recebida como uma regressão da influência woke. Não é impossível que, perante o repúdio eleitoral, haja activistas tentados a seguir Georges Sorel em vez de Gramsci, e a confiar na violência física para impor as suas causas. Os activistas do clima já atacam obras de arte. Porque não atacar os CEOs das empresas petrolíferas?
A acontecer, não seria sem precedentes. Nos anos 1960, a contra-cultura de esquerda no Ocidente teve uma fase triunfante de “peace and love”. Em 1968, porém, os sucessos eleitorais de Nixon nos EUA e do general De Gaulle em França fizeram os activistas perceber que eram uma minoria em sociedades que não queriam tornar-se Vietnames do Norte. Um dos resultados foi o terrorismo esquerdista dos anos 1970: quando o megafone deixou de fazer efeito, passou-se à bomba e ao tiro. Com o apoio logístico dos inimigos do Ocidente, que agora também talvez não faltasse.
Estou a dizer que vai fatalmente acontecer? Não. Estou a dizer que há disposição para isso numa cultura woke em que o cancelamento pareceu muitas vezes um ersatz da eliminação física. Franz Fanon, ideólogo do anti-colonialismo, decretou que era preciso “matar o homem branco”. Metáfora, como agora fica bem dizer? Em 1961, em Angola, os seus discípulos da UPA interpretaram-no literalmente. Do cancelamento ao assassinato a distância pode não ser grande.