As ondas de calor estão a intensificar-se em todo o mundo, impulsionadas pelas alterações climáticas, e Portugal e a Europa não são exceções. Essas condições extremas representam um risco grave para a saúde humana, particularmente devido aos efeitos fisiológicos do calor extremo no corpo humano. Com o aumento das temperaturas e a combinação com níveis elevados de humidade, os mecanismos naturais de regulação térmica do corpo podem tornar-se insuficientes, levando a consequências potencialmente fatais.
A fisiologia do arrefecimento
A pele desempenha um papel fundamental na regulação da temperatura corporal. Em condições normais, o corpo utiliza a transpiração como o principal mecanismo de arrefecimento. Milhões de glândulas sudoríparas ao longo do corpo produzem suor, que é levado para a superfície da pele. Quando o suor evapora, ele remove calor da pele, ajudando a baixar a temperatura corporal. No entanto, em ambientes com calor extremo e elevados níveis de humidade, este processo pode ser severamente comprometido.
Quando a humidade é elevada, o ar já está saturado de vapor de água, o que reduz a capacidade de evaporação do suor. Como resultado, o suor começa a acumular-se e a escorrer pela pele, em vez de evaporar, e o corpo perde a sua capacidade de dissipar calor eficientemente. Sem essa evaporação, a temperatura interna do corpo começa a subir, levando a uma série de reações fisiológicas perigosas.
Efeitos do calor no coração
O coração e os vasos sanguíneos são os primeiros a responder ao aumento da temperatura corporal. Para tentar manter a temperatura interna estável, o coração tem de bombear sangue mais rapidamente para a pele, onde o calor pode ser libertado. Este aumento no fluxo sanguíneo é a razão pela qual, em dias de calor, a pele pode parecer mais avermelhada ou corada.
No entanto, o esforço constante para regular a temperatura através da circulação pode colocar uma maior pressão sobre o sistema cardiovascular. A perda contínua de líquidos através da transpiração leva à desidratação, o que diminui o volume de sangue disponível. Com menos sangue para circular, o coração precisa de bater mais rápido e com mais força para manter a pressão arterial, aumentando o risco de sobrecarga cardíaca. Este esforço excessivo pode levar a sintomas como palpitações, sensação de cansaço extremo, e em casos mais graves, pode contribuir para episódios relacionados com eventos cardíacos que podem colocar em jogo vidas, especialmente em pessoas com condições pré-existentes.
Impacto do calor no cérebro
O cérebro, a partir do hipotálamo, é o centro de comando para a regulação da temperatura corporal. O hipotálamo coordena a resposta ao calor, desencadeando a transpiração e redirecionando o fluxo sanguíneo para manter a temperatura corporal em níveis seguros. No entanto, quando o corpo é submetido a episódios de calor extremo, o funcionamento normal do hipotálamo também fica comprometido.
À medida que o calor se intensifica, o fluxo sanguíneo para o cérebro é reduzido, devido à necessidade de redistribuir o sangue para a pele e outras áreas periféricas para dissipar o calor. Com menos sangue a chegar ao cérebro, os níveis de oxigénio e glicose disponíveis para as funções cerebrais também diminuem. Esta situação resulta numa diminuição das capacidades cognitivas, afetando o discernimento e a capacidade de tomar decisões racionais. Em casos extremos, pode levar à desorientação, confusão mental, e até à perda de consciência.
Este é um dos motivos pelos quais as pessoas em situações de calor extremo podem não perceber o perigo em que estão. Quando o cérebro começa a falhar, o risco de insolação aumenta drasticamente, uma condição em que a temperatura corporal atinge níveis críticos, acima dos 40 graus Celsius.
Como o calor pode matar
A insolação é a consequência mais grave do calor extremo. Esta ocorre quando o corpo não consegue mais regular a temperatura através dos mecanismos normais como a transpiração e a redistribuição do fluxo sanguíneo. Quando a temperatura interna do corpo sobe além do ponto crítico, o sistema começa a falhar de forma perigosa.
Os primeiros sinais de exaustão pelo calor incluem sintomas como náuseas, dores de cabeça, cãibras musculares e desmaios. Estes sinais indicam que o corpo está desidratado e começa a perder a capacidade de se arrefecer. Se a exposição ao calor continuar, a condição pode rapidamente evoluir para insolação. Nesta fase, a temperatura corporal pode aumentar rapidamente, causando danos aos órgãos vitais. Os intestinos, por exemplo, podem começar a perder a integridade, permitindo que toxinas perigosas entrem na corrente sanguínea.
O coração, já sob grande pressão, pode falhar, e o fluxo sanguíneo reduzido para o cérebro pode levar a danos cerebrais permanentes ou até à morte. A insolação é considerada uma urgência médica e requer tratamento imediato, geralmente através da imersão em água fria ou a aplicação de toalhas molhadas, para reduzir rapidamente a temperatura corporal.
Um futuro cada vez mais quente
À medida que as alterações climáticas continuam a intensificar as ondas de calor, as temperaturas extremas vão tornar-se mais frequentes e prolongadas, desafiando a capacidade de adaptação do corpo humano. As populações mais vulneráveis, como idosos, crianças, e pessoas com doenças crónicas, estarão particularmente em risco, mas mesmo indivíduos saudáveis e atletas podem ser afetados.
As ondas de calor que hoje enfrentamos em Portugal e na Europa são apenas o início de uma tendência preocupante. Com o aumento contínuo das temperaturas globais, regiões inteiras poderão enfrentar condições de calor extremo que excedem a capacidade de sobrevivência humana. A temperatura de bulbo húmido, que mede o impacto combinado de calor e humidade, pode atingir níveis insuportáveis, mesmo para pessoas em boa forma física.
Os povos indígenas da Amazónia utilizam um método simples, mas eficaz, para determinar os limites do corpo humano em condições de calor e humidade extremas, algo que qualquer fisiologista do esforço compreende. Envolvendo um termómetro num tecido de algodão humedecido, monitorizam a temperatura. Se a leitura, após envolver o termómetro, ultrapassar os 25 a 28°C, é um sinal de que o corpo humano está em risco. Mesmo entre os indígenas, acostumados a estas condições, o limite é de 31°C na escala de bulbo húmido, além do qual até pessoas saudáveis podem estar em perigo.
A adaptação ao calor é possível até certo ponto, mas há limites. Em situações onde a temperatura e a humidade ultrapassam determinados limiares, o corpo humano simplesmente não consegue arrefecer de forma eficaz, levando a um aumento no número de mortes relacionadas com o calor. Este cenário reforça a necessidade urgente de medidas que mitiguem os efeitos das alterações climáticas, apostando na melhoria das condições de habitabilidade, sistemas de monitorização e alerta de grupos de risco e aumentar a informação e educação sobre aquela que poderá vir a ser uma das maiores causas de morte, protegendo as populações e prevenindo futuras tragédias.