O Orçamento do Estado para 2022, na versão apresentada, e chumbada pela AR, incluía o englobamento no IRS das mais-valias geradas na alienação de ativos mobiliários, sob determinadas condições. Fala-se na hipótese da retirada deste englobamento no novo Orçamento do Estado. Mesmo que assim seja, é possível que o assunto venha a ser retomado no próximo ano, eventualmente num âmbito mais alargado.
Do ponto de vista do investimento, de que o país tanto necessita, este potencial aumento da carga fiscal traz muito más notícias.
A análise financeira de um projeto de investimento pressupõe uma avaliação rigorosa e quantitativa dos valores em causa, quer do investimento a realizar, quer dos fluxos de caixa esperados anualmente, provenientes de recebimentos e pagamentos, nomeadamente impostos, quer ainda do risco associado a fatores macroeconómicos e a fatores específicos do projeto. Como é evidente, quanto menor o retorno esperado, menor será o entusiasmo do investidor. Com o aumento da carga fiscal, muitos projetos deixarão de ser rentáveis. O investidor prefere não os realizar, pois a remuneração não compensa o valor investido e o respetivo risco.
O englobamento de mais-valias, e quem sabe um dia de dividendos, é muito grave, pois destrói o valor de projectos de investimentos. Actualmente, um investidor individual que adquira acções de uma empresa verá os lucros gerados serem inicialmente tributados, em sede de IRC, a uma taxa próxima dos 25%. No momento da alienação dos títulos, o investidor está sujeito a uma taxa de 28% a título de IRS sobre as mais-valia obtidas. Admitindo que o preço da ação sobe exclusivamente em função dos resultados gerados, poderemos concluir que, para um resultado de 100 euros, a tributação total (IRC e IRS) é de 46 euros, sobrando 54 euros para o investidor. Com o englobamento de mais-valias, o investimento estará sujeito primeiro a IRC de 25% e a parcela restante a uma tributação que pode atingir 50%. Nestas condições, a tributação total (IRC e IRS) absorverá 62,5 euros e o investidor receberá apenas 37,5 euros. Por outras palavras, cerca de dois terços dos resultados gerados irão para o Estado e um terço para o investidor. Com esta elevada carga fiscal, quantos negócios sobreviverão? Qual o incentivo para o investidor que tem de enfrentar todos os riscos do mercado, da operação, de crédito, de taxa de juro, risco ESG, …?
Nem todos os impostos têm o mesmo impacto no comportamento dos agentes económicos, e agravar impostos que penalizam o investimento é dramático.
Por outro lado, o facto de esta tributação adicional se manter em aberto, introduz incerteza na análise do projecto. Quanto mais significativos forem os factores de incerteza, maior será o risco do projecto e menor o seu valor.
A Irlanda é apontada como um exemplo de capacidade de atração de investidores. A reputação fiscal deste país decorre de duas dimensões fundamentais: reduzida carga fiscal e estabilidade fiscal. Por outras palavras, as taxas de tributação são baixas e o Governo tem mantido a estabilidade da política fiscal, reduzindo a incerteza. E nós, portugueses, em que sentido estamos a caminhar?
Precisamos de avaliar as consequências das medidas fiscais no comportamento dos agentes económicos. Precisamos que o Estado defina, e se comprometa com uma política fiscal clara, estável e não penalizadora, que atraia, de forma sustentável, o investidor.