“Apoio Hilary Clinton, obviamente”, declarava Paulo Portas em Outubro de 2016 numa comunicação à imprensa.

O mundo falava muito de Bernie, mas também de Trump – Biden era apenas o vice-presidente de saída e sem pretensões à secretária da sala oval – e Paulo Portas, à data presidente do CDS-PP, declarava publicamente o seu apoio a Hilary Clinton, que ainda necessitaria de vencer as primárias do Partido Democrata, ou seja, um apoio substancialmente pioneiro, todavia, necessário por duas razões.

A primeira razão era Bernie Sanders, um político que tinha um forte poder de sedução das elites político-partidárias da Europa por ser tão parecido à norma social-democrata europeia, e que Paulo Portas, de modo perspicaz, soube interpretar que o grosso do eleitorado norte-americano apresenta sólidas reservas no que toca a políticos demasiado próximos das ideias europeias de sociedade, o povo americano não estava preparado para aquilo que considerariam ideias económicas de fundamentos demasiado revolucionários e distantes do tradicional liberalismo americano, e considerar que os EUA se transformariam num paraíso da social democracia pelas mãos de Sanders seria um mero sonho distante das elites políticas europeias.

A segunda razão era Donald Trump, onde Portas quebra a tradição do próprio partido, normalmente inclinado para o apoio aos candidatos republicanos, preferindo Hillary, ainda em tempo de primárias, alegando à data que não compartilhava da óptica política de Donald Trump e que, “com Hillary na Casa Branca, o mundo não acordaria todos os dias com um aventureiro à solta”, expressão esta que,proferida em 2016, se torna tenebrosamente inquietante de tão certeira que foi.

E eram estas as palavras do, à data, recém ex-vice primeiro ministro e ex- ministro dos Negócios Estrangeiros, que sabia e sentia que Portugal, como país atlântico, com históricas relações com os EUA, com uma vasta diáspora e dono de um passado activo na política internacional, mesmo que limitado nos seus modestos níveis de relevância, essa relevância deve ser mantida e, sempre que possível, ampliada. Parece um gesto irrelevante, porém, é um gesto perspicaz e importante para manter o farol diplomático ligado e assumir a nossa presença e posição.

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E cá estamos nós, 7 anos depois deste gesto político, num clima de campanha eleitoral que, se em algum momento se falou de política externa e de que papel deve ter Portugal no mundo, nada se ouviu.

Praticamente nada se ouviu em incontáveis horas de debate, penso que ouvi um moderador a confrontar o líder do PCP sobre questões da guerra na Ucrânia durante dois minutos no debate contra o Livre, questão que roça a inutilidade sabida a posição conservadora e intransigente deste partido e a sua perspectivada irrelevância parlamentar futura.

Em bom rigor, no que diz respeito aos dois candidatos a Primeiro-Ministro, o cidadão comum não faz a menor ideia do que é que ambos defendem para um Portugal no mundo. Qual a postura que Portugal deve assumir na ONU que é, por acaso, presidida por um compatriota nosso? Vamos apostar numa candidatura ao Conselho de Segurança? Se sim, qual é o impacto que desejamos gerar? Qual é a postura que Portugal deve assumir numa Europa com a Alemanha em recessão económica e com a União Europeia sozinha em esforço a conter os tanques de Putin com os EUA paralisados pelo medo de incendiar as hostes republicanas para as eleições de Novembro. Não sabemos nada, nem queremos saber, aparentemente.

Em hora e meia de debate entre Luis Montenegro e Pedro Nuno Santos nem uma única pergunta foi colocada sobre o mundo e a posição de Portugal neste. Com uns EUA divididos entre um Biden senil e um Trump louco, com Putin a leste a desafiar a Europa com expansões imperiais e ameaças nucleares, com a China à espreita de uma oportunidade para desembarcar em Taiwan e causar um terramoto económico mundial, com o médio oriente prestes a explodir. E nós por cá, a debater quem é o responsável pelos cortes das pensões em 2011, as coligações nos Açores ou quem é que chamou a Troika, completamente fechados, orgulhosamente sós no nosso mundinho da nossa vidinha, como se não existisse todo um mundo à nossa volta a influenciar a nossa vida.

É na política internacional e na política europeia que se joga o xadrez mortal que influencia a nossa liberdade, a nossa paz e a nossa segurança. Já não estamos nos tranquilos anos 90 dos EUA afectuosos, da China inofensiva e da Rússia de rastos, estamos em 2024 onde grandes perigos nos espreitam por todos lados e todos os nossos inimigos naturais estão à espreita do primeiro momento em que a Europa deixe um flanco desguarnecido para uma lança certeira.

Portugal não tem relevância individual suficiente para alterar o status quo mundial pela via da força, mas tem uma relevância geográfica, histórica e diplomática significativa o suficiente para ser ouvido como promotor de diálogos e construtor de pontes nos temas respeitantes às várias nações de ambos os lados do Atlântico, norte e sul, como é disso exemplo a libertação de Timor-Leste ou até mesmo a lamentável Cimeira das Lajes, países de semelhante – ou superior – dimensão não têm esta relevância, uma Áustria, uma Chéquia, uma Irlanda não têm este nível de capacidade diplomática.

Por tudo isto, exige-se que qualquer candidato a Primeiro-Ministro fale aberta e despudoradamente da sua visão para o papel de Portugal no mundo, por mais modesto que este seja, é um legado histórico da nação. Assim como se exige aos media que coloquem com a devida firmeza estas questões na ponta do microfone, para que, nos palcos onde se joga o futuro da nossa liberdade e da nossa segurança, não nos encontremos jamais, orgulhosamente sós.