Um, dois, três, sabe-se lá quantos meses o governo chinês andou a fingir que não via a gravidade da Covid-19 e, de repente, ninguém se mexe! Lembram-se deste jogo tradicional? Jogava-se no recreio da escola. Lembram-se da escola? Era aquele sítio onde, nos tempos antigos, os miúdos iam para aprender. Quer dizer, iam mais para os progenitores terem umas horas de sossego. Tudo isso acabou. Agora resta-nos ficar em casa. O que vale é que consta sermos estupendos nessa tarefa. Ao ponto de, lá fora, o New York Times referir que Portugal “merece admiração” pela forma como lidámos com a pandemia. É bem possível que, 500 anos volvidos sobre a saga dos Descobrimentos, tenhamos enfim encontrado a nossa vocação: não fazer rigorosamente nada. Somos óptimos a estar quietos. Portugal! Portugal! Portugal!

Isto cá dentro, porque no estrangeiro os nossos compatriotas continuam a trabalhar muito bem. Desta vez foi o enfermeiro Luís, que tratou o primeiro-ministro britânico, Boris Johnson. Neste caso não estou certo que possamos falar em milagre médico, mas é inquestionável que se operou um milagre ideológico. Bastou Boris Johnson enaltecer um cidadão lusitano durante quarenta segundos e, num ápice, aos olhos de toda a comunicação social portuguesa, o político inglês passou de lunático despenteado, cérebro perverso maquinador do apocalíptico Brexit, autêntico Trump de terras de Sua Majestade, a egrégio estadista cujas sábias palavras ecoarão para sempre nos nossos corações.

A propósito de Trump, nos Estados Unidos da América a estimativa de mortes causadas pelo coronavírus já teve mais revisões que um autocarro da Carris. De início, um estudo do Imperial College London apontava para 2.200.000 vítimas. Depois, estimou-se que haveria entre 100.000 e 240.000 óbitos. A seguir, esse número baixou para 93.500. Já no início de Abril, a Universidade de Washington antecipou 81.800 falecimentos. Valor que reviu entretanto para 60.400 mortes. Aqui chegados, só vejo duas hipóteses. Ou os modelos que têm servido de justificação para nos manterem presos em casa são menos fiáveis do que um — porquê abandonar as metáforas automobilísticas quando se está fortíssimo? — Trabant P601, ou temos de reconhecer que, graças à sua política de combate à Covid-19, Donald Trump já salvou mais vidas que a Aspirina.

Ainda assim, estes números estão a anos-luz do sucesso das autoridades chinesas no combate ao coronavírus. Só que os chineses optaram por uma estratégia diferente. O mais comum ainda é irmos à loja do chinês comprar pechisbeques, mas neste caso foi o governo chinês a ir à loja dos estadistas internacionais adquirir aquele indivíduo que dirige a Organização Mundial da Saúde. Bom, mas pelo menos tiveram o cuidado de evitar a propagação do vírus. O Partido Comunista Chinês tem a OMS na mão, sim senhor, mas para que tal acontecesse tenho quase a certeza que recorreram a luvas.

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Para trazer algum bom senso à discussão em torno da pandemia, veio em nosso auxílio o Papa Francisco. O Santo Padre afiançou que não sabe se a Covid-19 “é vingança, mas é a resposta da natureza”. Sem dúvida. Aliás, desconfio que a natureza urdiu esta resposta assim:

Floresta Amazónica: Ouve lá, tu viste o que estes sacanas permitiram que me acontecesse o ano passado?

Buraco do Ozono: Ardeste para aí um bocado, não foi? Olha, pelo menos de ti ainda se lembram. Eu fui tão grande nos anos 80 e agora só querem saber das calotas polares.

Floresta Amazónica: Estou fartinha destes humanos. Vamos pedir ao Kilimanjaro para entrar em erupção e é já!

Buraco do Ozono: Boa. E, em vez de expelir lava, expelia só enxofre.

Floresta Amazónica: Exacto. Até à próxima idade do gelo não se livram do pivete a flato!

Buraco do Ozono: Alto. Espera. Lembrei-me agora que já tinha prometido à Covid-19 que a próxima calamidade era ele.

Floresta Amazónica: A Covid-19? Mas essa doença não tem graça nenhuma.

Buraco do Ozono: Pois, eu sei, mas o vírus diz que está farto de estar de cabeça para baixo nos morcegos e que já não aguenta da lombar e que quer passar para os humanos e mais não sei o quê.

Floresta Amazónica: Eh, pá. Pronto, diz lá à Covid-19 para avançar.

Donde se prova não só que a Terra nos quer matar a toda a hora, como que não tem qualquer sentido de humor.