Eu parto para esta frase derrotado, porque sei que não vou conseguir arranjar palavras para descrever, com a merecida precisão, o impacto que o meu corpo, comandado primeiro pelas minhas pernas e depois pelo meu tronco nu, provoca no mar calmo, quase estático, e gelado da Meia Praia.

No momento em que mergulho, não penso em nada. Durante as frações de segundos em que o meu corpo está em suspenso, deixo de existir, simplesmente. Até ao dia de hoje ainda não descobri para onde vou e convenço-me, a cada dia que passa, de que nunca irei resolver esse mistério. Sei apenas que existo antes do mergulho e que existo também depois dele, no momento em que regresso à minha existência, quando sinto os meus pés a dissolverem-se novamente entre grãos de areia escuros e infinitos, ao mesmo tempo que as fundações da minha pele seca se quebram.

Mergulhos de final de tarde em praias (quase) vazias são indescritíveis e ganham um significado especial quando são oferecidos nas costas dos areais que, tendo acompanhando cada passo da nossa vida, viram-nos crescer, caminhar, correr e, às vezes, tropeçar.

A minha praia é a Meia Praia, mas não é a única. Todas as praias são minhas. Todas as praias são nossas. Todos os mergulhos são meus. Todos os mergulhos são nossos.

Os mergulhos pertencem apenas à pessoa que, através de um jogo de pernas, forças e balanços, os dá. É assim desde o começo: o mergulho iniciático pertence apenas ao corpo, único e singular, que o arrancou do fundo do mar.

A Meia Praia não compete sozinha nesta luta de ventos amarelos, da cor da areia, e azúis, da cor do horizonte, mas é a que compete há mais tempo. Ela corresponde, desde o meu início, à válvula de escape de todas as minhas pressões, indecisões e problemas, que são desfeitos com saltos para água, autênticos mergulhos mágicos que curam dores de todos os nomes. E está sempre à distância de 300 quilómetros, um par de autoestadas e duas semanas de férias de verão. A praia está longe da rotina dos meus passos e é por isso que esta relação nasceu descompensada e injusta, num mundo no qual o ideal de ‘justiça’ também não está esclarecido; mas, também por isso, forte e real.

Eu passo o ano a pensar nestes mergulhos de fim de tarde, sobretudo durante os dias difíceis que se confundem com bestas de carne e osso, que são lançadas contra mim em jornadas chuvosas de inverno, quando o céu vem e vai triste e tudo é pesado. E no momento em que redigo estas palavras, lembro-me do sal invisível daquelas águas que não salgam, mas fazem crescer e dão cor às paredes da minha memória, e lamento o estado em que o Mundo se encontra; que o obrigou a limitar os nossos mergulhos nas nossas praias, que são nossas e de mais ninguém.

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