Numa sociedade verdadeiramente livre não é a vontade maioritária do povo que deve ser feita política através da Lei, nem os interesses e desejos particulares de uma elite que devem comandar a vida colectiva.
A maior das virtudes da democracia representativa é a de ser um sistema que assegura a protecção das pessoas face à interferência do Estado na esfera individual, nomeadamente através de eleições periódicas que permitem vermo-nos livres de maus governos de forma pacífica e, através do voto, substituir os governantes por outros melhores.
Em Portugal o estado das coisas é péssimo e, por isso, será criminoso a Direita não fazer tudo o que está ao seu alcance para desalojar o PS de António Costa do poder.
Todavia, a nossa actual Direita tem, infelizmente, adoptado um registo calamitoso para as pessoas comuns não-socialistas, desde logo com a estúpida tentativa de erigir uma cerca sanitária ao Chega!. Ao contrário da imagem que a classe urbana «bem-pensante» e influenciadora dos caminhos da Direita procura passar, excluir o Chega! da participação nas decisões políticas do país não só é uma reacção contraproducente que objectivamente alimenta e faz crescer o partido de André Ventura, como é sobretudo uma indisfarçável e intrínseca reacção anti-democrática e uma manifestação do paternalismo e profundo desprezo pelos mecanismos institucionais que dão corpo e voz dentro do sistema constitucional às preocupações de uma camada muito significativa dos Portugueses.
A Direita anti-Chega! desejaria que os votantes deste partido se agregassem em torno de milícias populares inorgânicas ou de movimentos civis anarquistas em vez de se verem representados no Parlamento? Ou será que a Direita pretende reeditar uma espécie de política «covid-zero» na absurda esperança de que o povo, milagrosamente, abandone as suas angústias e as troque por opiniões palatáveis pela linha justa do pensamento que mora entre o Chiado e a Foz?
Sendo inverosímil que PS ou PSD obtenham em próximas eleições legislativas uma maioria absoluta monopartidária, e expectável que a subida eleitoral do Iniciativa Liberal não seja suficiente para em conjunto com o PSD assegurar a estabilidade no poder, se a Direita quiser ser governo será confrontada, na prática, com duas opções: 1) trazer o Chega! para o executivo ou 2) negociar o apoio parlamentar do Chega! a um governo minoritário liderado pelo PSD.
Assim, aqui chegados (pun intended), bem ou mal, o Chega! tornou-se o elemento central decisivo para uma alternativa ao PS.
Mas a miopia, obsessão patológica e dissonância cognitiva da Direita criaram o paradoxo de a melhor solução para cada um destes três partidos ser exactamente a oposta àquela que é a narrativa e acção política de cada um deles. Ou seja: o melhor que poderia acontecer ao PSD e à IL seria o Chega! integrar um governo de Direita. E o pior que poderia acontecer ao Chega! seria fazer parte do Executivo.
A sua proposta populista e mensagem maniqueísta tem conseguido ser claramente diferenciada da dos restantes partidos políticos, tendo o Chega! muitas vezes o monopólio de colocar no debate público temas que são reais e que afligem grande parte do eleitorado, votante ou não-votante no partido. Alguns exemplos são as bandeiras da corrupção das elites, o parasitismo, a subsidiodependência, a naturalização descontrolada de imigrantes, a oposição a teorias de género, o alerta sobre o ataque à família tradicional, etc.
Esta diferenciação radical dos restantes partidos e a atenção dos media e da população em geral que o Chega! tem conseguido conquistar é sobretudo potenciada pela liberdade de um grupo parlamentar e de um líder que não tem responsabilidades governativas. Ora, o Chega! terá mais capacidade de influência como suporte parlamentar a um governo minoritário, obtendo ganhos de causa em troca do apoio dado à manutenção da estabilidade, do que estando dentro do governo.
Mantendo-se fora do executivo, o Chega! evitará o desgaste de capital político causado pelo exercício do poder. Como sabemos, a responsabilidade directa por opções governativas torna inevitável desagradar de quando em vez as bases de apoio. Acresce que a um partido que diz pretender implementar uma regeneração completa e imediata do país, a inércia de um governo e a lentidão legislativa tem potencial para defraudar por completo as expectativas num messiânico Ventura.
Importa também lembrar que um partido quase de um homem só, sem um número significativo de quadros de mérito reconhecido, arriscará na participação num executivo evidenciar de forma eventualmente fatal a fragilidade dos seus recursos humanos.
Acresce que a imagem de marca da “pureza” de propósitos e da “radicalidade” das propostas do Chega! ficariam seriamente afectadas com a co-responsabilização do partido na execução de políticas mais consensuais e menos ao desejo dos seus militantes e simpatizantes. O princípio de solidariedade entre membros de uma mesma equipa governativa não permite os mesmos graus de liberdade de que os deputados gozam no Parlamento, além de que o quadro institucional imposto pela União Europeia coloca aos executivos balizas efectivas à prática política.
Creio pois que o risco de perda de influência e até de identidade partidária é mais elevado com a participação do Chega! num governo do que mantendo-se apenas como suporte parlamentar.
A contrario sensu, ao partido tradicional liderante de um futuro governo de Direita (PSD) conviria de sobremaneira trazer para a esfera governativa elementos do Chega! dando-lhes responsabilidade directa e visível sobre determinadas àreas, e à Iniciativa Liberal daria jeito expôr o partido de André Ventura às armadilhas de autofagia mencionadas acima.
Ao povo de Direita a quem interessa restaurar um módico de dignidade na política, que considera fundamental o regular funcionamento das instituições democráticas e para quem é urgente reganhar o controlo dos seus projectos de vida livrando-se da escravidão imposta pela omnipresença do Estado na sociedade, a criação de dramas artificiais em torno do formato da solução governativa a construir à Direita são meros exercícios de sinalização de suposta virtude e umbiguismo de privilegiados.
Daí que o maior contributo que Luís Montenegro, André Ventura e Rui Rocha podem dar para uma sociedade aberta e de homens livres é deixarem-se de infantilidades e ressabiamentos, baixarem os penachos partidários ridículos e aterem-se ao essencial e absolutamente decisivo que é terminar com o ciclo socialista no poder e impedir que o PS transforme definitivamente o país numa choldra infrequentável.
Nota editorial: Os pontos de vista expressos pelos autores dos artigos publicados nesta coluna poderão não ser subscritos na íntegra pela totalidade dos membros da Oficina da Liberdade e não reflectem necessariamente uma posição da Oficina da Liberdade sobre os temas tratados. Apesar de terem uma maneira comum de ver o Estado, que querem pequeno, e o mundo, que querem livre, os membros da Oficina da Liberdade e os seus autores convidados nem sempre concordam, porém, na melhor forma de lá chegar.