Ao contrário do que se pensa, Pôncio Pilatos, o governador romano que condenou Jesus Cristo à morte, não era mau. A lenda não o favoreceu, mas a História reconhece-lhe alguma bondade. Também os Evangelhos, embora escritos pelos discípulos da sua principal vítima, asseguram os seus bons sentimentos, não obstante a dramaticidade do enredo em que, muito a seu pesar, se viu envolvido. Talvez por isso, a tradição cristã sempre entendeu que o principal responsável pela morte de Cristo foi o Sinédrio e não os romanos, muito embora, pelo menos formalmente, a sentença de condenação à morte de Jesus de Nazaré tenha sido decretada por um romano, Pôncio Pilatos, como romanos supõe-se que eram também os soldados que a executaram.

A primeira atitude de Pilatos, quando Cristo lhe foi entregue pelo Sinédrio, foi de admiração. Ao contrário de Herodes, que troçou dele (Lc 23, 11), o governador romano manifestou respeito por aquele homem que, apesar de acusado de crimes que mereciam a pena capital, não resistiu, não protestou, não gritou, não ameaçou, nem sequer respondeu. Mateus e Marcos afirmam, expressamente, que Pilatos ficou admirado com o silêncio de Jesus de Nazaré (Mt 27, 14; Mc 15, 5). Talvez o espanto não fosse só pelo seu silêncio, mas também pela sua majestosa dignidade: afinal, não era ele o Rei dos Judeus e o Rei dos Reis?!

Depois, o governador romano quis libertar Cristo, se possível sem enfurecer os inimigos do Nazareno, que o queriam crucificar. É, mais uma vez, um inequívoco sinal da bondade dos seus sentimentos. Foi por este motivo que enviou Jesus a Herodes pois, sendo galileu, estava sob a jurisdição de aquele monarca que, contudo, o devolveu ao representante do César. Ocorreu-lhe então conceder a Jesus o tradicional indulto pascal. Para esse efeito, pediu à multidão que escolhesse entre Barrabás, um conhecido assassino, e Jesus de Nazaré que, poucos dias antes, tinha feito uma entrada triunfal em Jerusalém. Contudo, o povo, previamente manipulado pelos membros do Sinédrio, pediu, aos gritos, a libertação do assassino e a crucifixão do inocente Filho de Deus.

Não apenas Pôncio era uma boa pessoa, mas também a sua mulher, que intercedeu por Cristo. Com efeito, “enquanto ele estava sentado no tribunal, sua mulher mandou-lhe dizer: ‘Nada haja entre ti e esse justo, porque fui hoje mesmo muito atormentada em sonhos por causa dele’” (Mt 27, 19). Esta intervenção feminina foi, para Pilatos, como que um chamamento da voz da consciência.

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Foram reiteradas as declarações de Pôncio Pilatos sobre a inocência de Jesus. Quando os judeus exigiram a sua crucifixão, respondeu-lhes: mas que mal fez ele?! (Mt 27, 33; Mc 15, 14). Após o seu primeiro interrogatório ao artesão de Nazaré, Pilatos confessou que não encontrou nele crime algum (Lc 23, 4). Depois, quando o preso lhe foi devolvido pelo rei Herodes, confirmou, com a opinião de este soberano, a sua inocência: “não encontrei nele culpa alguma (…), nem Herodes” (Lc 23, 14). Mais tarde, voltará a dizer publicamente: “não encontro nele causa alguma de morte” (Lc 23, 22).

O quarto Evangelho, que se atribui a João, é também claro ao reiterar a profunda convicção que Pilatos tinha da inocência de Jesus: “não encontro nele motivo algum de condenação” (Jo 18, 38). Depois de o ter mandado flagelar, pensando que assim satisfazia o ódio dos membros do Sinédrio, o governador romano voltou a dizer: “não encontro nele crime algum” (Jo 19, 4). Mesmo quando, finalmente, decidiu aceder à iníqua petição dos seus inimigos, reafirmou a injustiça daquela condenação: “tomai-o e crucificai-o, porque não encontro nele motivo algum de condenação” (Jo 19, 12).

Tal era a certeza da inocência do galileu que Pôncio tudo tentou para o libertar, pois “sabia que o tinham entregado por inveja” (Mt 27, 18; Mc 15, 10). Primeiro, procura amnistiá-lo, em vez de Barrabás. Depois da flagelação, pensa que já tem margem para o soltar, sem indispor os seus poderosos inimigos: “soltá-lo-ei depois de castigado” (Lc 23, 16). Com efeito, “Pilatos desejava livrar Jesus” (Lc 23, 20; Jo 19, 12). Não restam, portanto, quaisquer dúvidas quanto aos bons sentimentos de Pôncio Pilatos que era, decididamente, o que se poderia chamar um ‘bom homem’ que, não obstante a aparente homonomia, é o contrário de um homem bom.

De facto, Pilatos não era mau, mas foi péssimo, porque ordenou a crucifixão de alguém que ele sabia inocente. Adolf Eichmann, o oficial nazi que deportou para os campos de extermínio muitos milhares de inocentes, aparentemente era, como reconheceu Hannah Arendt, um atencioso marido, um pai dedicado e um zeloso funcionário, ou seja, um ‘bom homem’. Contudo, Pilatos e Eichmann, que talvez tenham sido ‘bons homens’, não foram, decididamente, homens bons: ambos foram criminosos, por força da sua cobardia, do seu silêncio cúmplice, da sua colaboração activa em processos tremendamente injustos. Sim, é verdade que Eichmann cumpria ordens superiores, a que estava obrigado, e que Pilatos tudo tentou, em vão, para libertar Jesus Cristo e que, depois, para branquear a sua culpa, lavou em público as mãos. Talvez as mãos tenham ficado limpas, mas não a sua consciência, onerada pela culpa gravíssima de ter sacrificado uma vida que ele sabia inocente.

Não tenho dúvidas de que os deputados que aprovarem a eutanásia não são nenhuns monstros: são, com certeza, ‘boas pessoas’, mas não, decididamente, pessoas boas. Tudo boa gente, sem dúvida, com bons sentimentos, boas intenções, compaixão pelos doentes e pelos velhos e, talvez também, pelos animais e pelas plantas. Todos ‘bonzinhos’ e, decerto, com as mãos impecavelmente limpas … tudo ‘boas pessoas’, mas não são, certamente, pessoas boas. São os PPP: os Políticos Pôncio Pilatos.

Ai das ‘boas pessoas’ que, por acção ou omissão, não são pessoas boas! Ai dos que são politicamente responsáveis pelo que alguém chamou, com brutal sinceridade, o “genocídio dos inúteis”! Ai das ‘boas pessoas’ que não são, decididamente, pessoas de bem! Talvez tenham as mãos limpas, mas as consciências manchadas com o sangue dos inocentes que condenaram à morte. Que Deus lhes perdoe, já que a História, decerto, os não absolverá.