Nos próximos cinco minutos vai descobrir tudo o que interessa sobre a fidalguia e a nobreza portuguesa. Ou seja, tudo o que sempre quis saber sobre o sangue azul mas nunca conseguiu saber ou teve vergonha de perguntar. É um conto extraordinário de príncipes e princesas? É um mundo restrito de aristocratas pomposos? Ou será uma alucinação coletiva de saudosistas malucos? A resposta imediata a cada uma destas perguntas é por princípio negativa, mas vou limitar-me a falar de factos e deixo a cada um o juízo. Este tema nunca foi abordado de forma direta e assertiva na imprensa nacional, por isso vou ser brutalmente honesto sobre o assunto.

Existem nobres na República Portuguesa?

A existência de nobres numa República pode parecer um contrassenso à primeira vista. Mas se refletirmos um pouco, chegamos à conclusão que os títulos nobiliárquicos fazem parte do património histórico nacional. Lembram-nos um passado que importa preservar, com feitos sociais e culturais que sublinham aquilo que fomos e construímos. E só um povo com as pazes feitas com o seu passado é que poderá ter futuro.

No entanto, não podemos esquecer a perspetiva histórica. Os títulos nobiliárquicos portugueses só apareceram no século XIV, apesar de antes já existir a nobreza como sinónimo de privilégio. E muitos dos títulos que persistem pertencem ao fim da monarquia e à necessidade de cativar apoios por parte dos últimos reis. Realce ainda que ainda hoje é prática comum na República, a entrega de comendas e medalhas honoríficas, afinal algo que faz parte da natureza humana: a distinção pelos feitos e empreendimentos ao longo da vida.

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Quem são os fidalgos portugueses?

Esta é uma pergunta mais interessante do que parece, porque a palavra fidalgo vem de “filho de algo” e é anterior aos títulos nobiliárquicos. Portanto, estariam um grau acima destes últimos, se quisermos dividir a sociedade neste tipo de construções. Mas, passados mais de cem anos sobre a implantação da República, é altura de acabar com a caricatura do nobre falido, de longos bigodes e brasão na lapela de botões dourados. A realidade é diferente, muito diferente. Tenho a honra de ter convivido com os últimos verdadeiros fidalgos portugueses, de uma geração que sobreviveu à República na clandestinidade. Ao contrário da caricatura, aqui não existia presunção, dominação ou altivez petulante. Pelo contrário, construíram a vida na defesa dos valores e tradições familiares, quase sempre acompanhados por um catolicismo conservador. Não havia nada de político ou ideológico, mas uma brandura sensata e recta, que muitas vezes era sinónimo de sacrifício e doação ao próximo. Infelizmente, as gerações seguintes não conseguiram manter este estatuto, logo que perceberam que era também um fardo. Hoje sobraram pequenos resquícios desses tempos – mas bem hajam esses resquícios.

Há um mundo de príncipes e princesas em Portugal?

A resposta, em sentido lato, é um sonoro não. Existe uma aristocracia que tenta imitar eventos que existiram no passado, mas cujo resultado final é um ridículo sem nome. A aristocracia republicana anda de mãos dadas com certa aristocracia dos tempos da monarquia, sendo que ambas têm em comum a vivência de uma alucinação em que se sentem superiores ao resto da população. Só este sentimento, assim como o conceito de clubes restritos e exclusivos, são provas que não entendem nada do que pretendem ser.

Acrescento algo que aprendi desde cedo: alguns dos maiores fidalgos que conheci na vida não tinham brasões, não tinham grandes posses e nem sequer sabiam ler ou escrever. A sua fidalguia vinha do orgulho de serem filhos e netos de alguém honesto, da manutenção das tradições e de uma alma generosa, sacrificada por um trabalho duro de que nunca se queixavam. Desta forma, o mundo romântico de príncipes e princesas não existe há muito em Portugal. Resta dizer que a tal aristocracia nacional tem como grande sonho aproximar-se das Casas Reais do norte da Europa, Espanha e Reino Unido. Mal sabem eles que nem nesses lugares existe o mundo encantado dos livros e filmes.

Qual a relação entre o PPM e a Casa Real?

A maioria dos monárquicos portugueses ainda vive na guerra civil do século XIX. De um lado os apoiantes realistas de Dom Miguel, que são a esmagadora maioria – sendo que do outro lado estão os apoiantes constitucionalistas de Dom Pedro IV. O PPM é a ala liberal e a Casa Real representa a ala absolutista. Sumariamente, são estas divisões e a subjugação institucional ao republicanismo que impossibilitam que a nossa chefia de Estado seja como na maioria dos países mais desenvolvidos do mundo. Nas últimas eleições para a Câmara do Porto, tentei inocentemente unir os dois lados, mas falhei completamente – principalmente pelas circunstâncias relativas à pandemia e pelos jogos políticos de adversários.

Portanto, o PPM é o partido monárquico que a grande maioria dos monárquicos não apoia – é até radicalmente contra. A razão oficial é que a mudança para o Reino de Portugal implicaria uma alteração constitucional e um referendo, nunca uma ideologia política e partidária. Por sua vez, as causas reais estão divididas por distritos e são apoiadas pela Casa Real portuguesa. Salvo honrosas exceções, são apenas cargos sem significado que se esgotam na organização de um jantar irrelevante a cada um, dois ou três anos. Outras organizam muitos eventos culturais de grande interesse, mas que atraem apenas um pequeno nicho de interessados. No entanto, são estes o último reduto da monarquia portuguesa, através do desempenho dum trabalho desinteressado e com sacrifício financeiro.

Os acontecimentos que juntam mais gente são os jantares de algumas das causas reais, cheios de arrivistas com fascínio por romances históricos ou com algum interesse particular. Por isso mesmo, não há gente capaz de fazer um esforço consistente e altruísta por aquilo em que supostamente acreditam ser melhor para Portugal. Sendo assim, o seu sumo é amargo e esgota-se num “viva o Rei” berrado no final.

Como se entra neste círculo?

Até há algumas décadas atrás, não podia. A boa notícia é que hoje em dia tudo é possível. Em primeiro lugar, vamos fazer um pequeno exercício de matemática e probabilidades. Cada um de nós tem ou teve dois pais, quatro avós, oito bisavós, dezasseis trisavós, trinta e dois tetravós e por aí adiante. Ou seja, por volta da metade do século XVII, 2048 ascendentes, numa população nacional de cerca de milhão e meio de habitantes. Mais ainda, somos um país pequeno, com fronteiras muito antigas e que durante muito tempo foi isolado. Podemos pois aferir o óbvio: somos todos primos uns dos outros. Esta reflexão serve sobretudo como exercício de humildade e para mitigar a ideia de que somos únicos e puros – afinal uma fantasia romântica e hedonista. Assim, basta contratar um bom especialista em genealogia (reconhecido como tal pelo Conselho de Nobreza) e em breve descobrirá que é descendente de reis e santos. Há uma grande probabilidade de, por exemplo, ter como antepassado o fundador de Portugal. Pode não ser nobre dos oito costados, mas certamente encontrará sangue azul nas veias. A partir daqui, são vários passos muito simples: ser patrono de uma ordem nobiliárquica, de preferência internacional; colocar os filhos num colégio católico conservador; e não esquecer de editar um livro a proclamar como Dom Miguel foi injustiçado pela História. Cada um julgará onde começa o sarcasmo e termina a realidade destes passos, mas principalmente se vale a pena o esforço. Se leu bem as respostas às perguntas anteriores, o senso comum responderá a esta questão.