Ao exercício de funções de liderança nas confederações sindicais correspondem responsabilidades políticas do mais alto nível. Um líder sindical é um líder político e as suas decisões têm natureza política e produzem consequências políticas.

É justo e adequado, pois, que olhemos assim para eles.

Na legislatura iniciada em 2019 – e dure ela dois, três ou quatro anos –, CGTP e UGT mudam as suas lideranças. Na CGTP já se registou em 2020 a saída de Arménio Carlos e a entrada de Isabel Camarinha e na UGT está para 2021 anunciada pelo próprio a saída de Carlos Silva.

E, note-se, estas alterações no mundo sindical acontecem num momento de profundas alterações no mundo do trabalho provocadas pela digitalização da economia e pelo desenvolvimento da inteligência artificial, circunstância que exige das novas lideranças a capacidade de construção de uma agenda sindical virada para o futuro e que seja política e socialmente capaz de responder aos desafios que já hoje se vão colocando aos jovens e aos trabalhadores, em especial no que toca ao ajustamento de competências no mercado de emprego e à adaptação às emergentes modalidades e formas de organização do trabalho.

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Na CGTP, Isabel Camarinha é assumidamente uma líder a prazo. A impossibilidade de recandidatura por entretanto atingir a idade da reforma (com base numa regra não estatutária da central sindical) faz antever um mandato de transição ao mesmo tempo que internamente se trabalha já na definição de um líder carismático e mais duradouro para 2024 e para o ciclo político pós António Costa. Enquanto isso, Arménio Carlos mantém-se no Comité Central do PCP pelo menos até ao final de 2020 e fica a dúvida sobre se poderá e quererá ser ele o sucessor de Jerónimo de Sousa como secretário-geral do partido.

Entre as reivindicações da CGTP, designadamente em matéria de alterações ao Código do Trabalho, política salarial na administração pública e aumento do salário mínimo, e o posicionamento político do PCP na Assembleia da República, principalmente a propósito do seu sentido de voto nas propostas de orçamento de Estado que o governo vá apresentando, muito se jogará o futuro de António Costa como primeiro-ministro. Na verdade, resta saber se, e por quanto tempo, CGTP e PCP continuarão a compatibilizar sem grandes sobressaltos as ruidosas críticas que a central sindical faz ao governo com a viabilização dos seus orçamentos de Estado por parte do partido que maior influência política tem nos seus órgãos e na definição da sua linha de acção político-sindical.

Na UGT, Carlos Silva caracteriza a inexistência de relacionamento institucional entre o primeiro-ministro e a cúpula dirigente da UGT como uma desconsideração política para com a central sindical e, ao mesmo tempo que diz estar de saída no congresso do próximo ano, afirma que “estamos à beira de uma crise conflitual grave em termos laborais” (Negócios, 24 Fevereiro 2020) e não descarta a prazo uma greve geral que junte os sectores público e privado.

Saber como se processará a sucessão de Carlos Silva e quem será o senhor (ou senhora) que se segue são elementos essenciais para melhor percebermos o comportamento futuro da central sindical que eleva o diálogo social e o compromisso político a eixos inelutáveis da sua acção de tal forma que responsavelmente assinou em 2012 um acordo de concertação social de “crise e sacrifícios” (João Proença, Público, 18 Janeiro 2012) por razões de interesse nacional durante o politicamente difícil e o socialmente exigente programa de ajustamento assinado com a troika.

Enquanto isso, o governo atribui a presidência de facto da Comissão Permanente de Concertação Social (CPCS) ao Ministério da Economia e ao ministro Siza Vieira e subalterniza o Ministério do Trabalho (algo que o anterior ministro Vieira da Silva nunca admitiria) e a ministra Ana Mendes Godinho, dando dessa forma um sinal político que as confederações sindicais não podem ignorar. Aliás, os constrangimentos e as dificuldades na negociação do acordo de concertação social que o primeiro-ministro quer exibir na lapela até ao final do corrente mês de Março são disso mesmo um exemplo público e notório e, no caso de não haver acordo por discordâncias insanáveis no domínio da política de rendimentos e da redistribuição da riqueza, como a UGT já admitiu que pode acontecer, o governo socialista terá muitas dificuldades em explicar esse falhanço em ano de um esperado superavit orçamental.

Esta legislatura é também um tempo de menores garantias parlamentares no domínio da estabilidade político-governativa. Pese embora uma esquerda que terá dificuldades em assumir o ónus político de uma queda do governo do PS e um PSD porventura mais alinhado para os famosos acordos de regime, a verdade é que o executivo de António Costa acusa já um desgaste significativo, resultado da falta de ímpeto reformista que desagrada à sua direita, da incapacidade para gerir as expectativas que gerou à sua esquerda e da repetição de demasiados rostos do elenco de 2015. Até o Presidente da República já diz que “não se pode começar uma legislatura com ambiente de fim de ciclo”.

É neste caldo político-social que devemos prestar uma atenção redobrada às lideranças políticas das centrais sindicais.

Será a partir das suas estratégias políticas e dos seus posicionamentos na acção que melhor podemos antecipar e compreender os desenvolvimentos políticos à volta do governo do PS.

O jogo de equilibrismo político-parlamentar no qual António Costa se tornou exímio pode não ser suficiente para a sua sobrevivência ao longo de toda a legislatura.