O chief executive officer da Benfica SAD, Domingos Soares de Oliveira (DSO), deu no passado dia 30 de junho uma entrevista a anunciar o lançamento de um novo empréstimo obrigacionista. Contudo, a entrevista serviu para isso e para muito mais. DSO apresentou-se muito bem preparado, tranquilo e confiante, transparente e frontal. Assumiu os erros internos e os problemas do sector de forma responsável e honesta, não procurando de forma populista e demagógica justificar a incapacidade da Benfica SAD em fatores não controlados pela própria sociedade em si. DSO foi tudo aquilo que devia (e podia) ser, e que nós gostaríamos que fosse um líder de um clube grande. Demonstrou um conhecimento e uma capacidade de antecipação do rumo da indústria notáveis. Teve inclusive a coragem e assertividade de afirmar em direto na televisão nacional que o Benfica precisa de um Sporting grande. Mostrou com isto ser o pensador e líder da sociedade no que concerne às sinergias entre estratégia, finanças, marketing, valorização de ativos desportivos e comunicação. A pergunta que fica é, pois, muito obvia: para que precisa o Benfica de Luís Filipe Vieira?
A necessidade de uma liderança bicéfala na Benfica SAD diz muito sobre o grau de imaturidade de gestão da sociedade em particular, e do modelo de governança do futebol português em geral. Grande parte da sua incapacidade de decisão e ação concerne diretamente as forças (de bloqueio) político existentes dentro do próprio Benfica. A existência e permanência desde céfalo tem um garante estatutário que DSO não consegue contornar, pois ele decorre do (ainda) atual modelo de governança da Benfica SAD que determina que o presidente do seu conselho de administração é o presidente do maior acionista da sociedade que é o Sport Lisboa e Benfica. Pois bem, a existência de uma liderança numa pessoa como Luís Filipe Vieira na Benfica SAD é determinada por sufrágio dentro do clube Sport Lisboa e Benfica, e justifica-se na necessidade permanente de angariar apoios e votos, e controlar a opinião pública interna do clube (entenda o leitor nesta última frase a definição de política). Daí emergem vice-presidentes não executivos, não profissionais, não competentes mas com relevância social dentro do associativismo desportivo do clube que, de forma irresponsável, continuam a tomar decisões contrárias às dos gestores profissionais do próprio clube e sociedade. Com isto, ganham poder de negociação aqueles stakeholders (internos e externos) que o Benfica deveria “colocar no sítio”, mas que não consegue por manifesta divisão interna.
Metade do Benfica continua a servir de elevador social para distintos desconhecidos do nosso país, enquanto a outra metade luta contra a concorrência por um lugar de destaque no sector do desporto. E se os políticos internos de menor protagonismo no clube ficam com os pelouros das casas e das modalidades, entre outros, os políticos internos de maior destaque ficam com o futebol.
O próprio benchmark internacional que DSO refere na sua entrevista já resolveu há muito tempo este problema através da privatização das SADs. Continuam os sócios a acreditar que este é o pior dos males que podia acontecer ao Benfica porque lhes é dado a “comer” esta ideia pelos mesmos notáveis que voltariam à sua condição de distintos anónimos caso isso acontecesse. Esses são os notáveis que têm tempo de antena e coragem (e alguma inconsciência) para se exporem de forma irrefletida nos média a defender o indefensável. E é destes momentos que vive a vitória do populismo e da demagogia sobre o profissionalismo da gestão no futebol português.
O objetivo da privatização dos clubes não é roubar o clube aos sócios, mas sim retirar as forças de bloqueio político de dentro do clube e assumir de vez uma gestão profissional de uma sociedade cuja receita ascende aos 300M€ por ano. Se assim fosse, deixaria o Benfica (e os demais clubes grandes a quem esta reflexão encaixa em 99%) de estar associado de forma permanente a casos de corrupção na esfera da vida privada dos seus dirigentes, podendo o futebol português assumir de forma decisiva um rumo positivo, sustentável e fértil para a sua indústria. Enquanto tivermos a política associativa a coliderar os destinos do futebol, iremos ter sempre um céfalo no caminho do outro a trilhar o percurso de forma titubeante, continuando inconscientemente os sócios dos clubes que tanto amam a alimentar o monstro que tanto odeiam.