Não faço ideia de quantos ucranianos vai receber Portugal. Mas diria que, a serem entre 5 e 7 milhões de refugiados de guerra, a nossa quota parte não poderá ficar abaixo dos 30.000 ucranianos.
30.000 ucranianos que trazem um conjunto de coisas consigo que irão fazer emergir um mindset diferente daquele a que estamos habituados. Trarão “ódio” (que é um combustível, queira-se ou não) e recalcamento que não passará nas próximas gerações, estarão deslocados da sua terra natal, que legitimamente é sua, trarão trabalho porque são gente que se entrega e, peço desculpa, colocarão a faca nos dentes, isto é, ninguém espere que sejam trabalhadores das nove às cinco e que venham reclamar o que por cá reclamamos. Se assim pensarem, estão enganados.
Aliás, as empresas já perceberam, e bem, que poderá haver uma nova força de trabalho que trabalha mais e reclama menos. E se forem 30.000 ucranianos, com cabeças com boa base quantitativa, com bom raciocínio crítico, com habilidades ao nível da resolução de problemas, com boa formação, habituados a trabalhar duro, a aproveitarem oportunidades, a lutar contra corpos estranhos e climas inóspitos, pois isto pode bem mudar o perfil de trabalho em Portugal.
30.000 ucranianos em Portugal, de várias idades, sobretudo de sexo feminino e que terão que sustentar, muitas vezes sozinhas, os seus filhos da guerra, serão uma força tremenda para o mercado de trabalho português. Mais, que terão de trabalhar e poupar para os familiares que ficaram pela Ucrânia e que não terão oportunidades ou não quererão vir.
Isto dito, os pedidos de trabalhadores ucranianos pelas empresas portuguesas dispararam. E isto faz-me pensar em como estávamos aqui na nossa bonomia portuguesa e, de repente, aparecem o equivalente a mais de um ano do número de saídas das universidades e politécnicos portugueses, com experiência profissional e com qualidades superiores. Isto vai ter impacto.
É precisamente por isso que as crises, e como a palavra diz, não são mais que oportunidades. É certo que é uma desgraça o que está a acontecer. Mas é também certo que a verificar-se esta vinda haverá muitos portugueses que serão preteridos por ucranianos. E não, não serão apenas nas áreas menos nobres como a construção, os cafés e bares, os restaurantes e outros. Desta vez a mão de obra virá com força e virá qualificada. Serão engenheiros, serão gestores, serão psicólogos, serão médicos, serão economistas, serão informáticos e serão de todas as profissões fortes e poderão ameaçar o status quo. Não têm forma de exigir muito, mas trabalharão muito. Não têm forma de querer voltar costas ao trabalho, porque apenas lhes resta trabalhar. E virão para trabalhar.
Seria bom que os portugueses pensassem nisto a sério. A oportunidade para os que cá estão é precisamente a de alterarem o seu mindset em relação ao trabalho. É trabalharem mais, é aprenderem mais, é estudarem mais, é darem-se mais, é integrarem-se melhor nos seus contextos de trabalho.
Posso estar tremendamente enganado mas os primeiros números de procura de trabalhadores ucranianos pelas empresas portuguesas não enganam. Portugueses, é agora ou nunca. Estudem, invistam em vós próprios, porque é um investimento, e tirem partido daquilo em que sempre foram também bons. Sempre reconheci a capacidade de investir, o desenrasca, o querer fazer bem, o querer fazer melhor por parte dos portugueses. Chegou a altura de mostrarem o que valem ou outros virão e ficarão com os vossos lugares. O problema é que não será apenas aqui. É aqui e no resto da Europa.
Portanto, se me pedissem um conselho eu diria assim: é agora que, se vos falta alguma peça de conhecimento na engrenagem, devem investir. Formem-se. E, depois, deem o litro e estejam comprometidos com quem vos dá trabalho. Vamos lá, os tempos serão duríssimos para todos. E, desenganem-se, vai ser também duro para nós, portugueses.
Porém, ninguém imagina que uma sociedade democrática como a nossa não receba os nossos irmãos ucranianos e não os trate da melhor forma possível. Nós não somos tendencialmente xenófobos. Somos um povo com o coração do lado certo. É altura também de fazermos alguma coisa por nós mesmos. Acolher o melhor possível. Mas trabalhar também o melhor possível.