Os pacientes oncológicos têm direito a determinar antecipadamente os cuidados de saúde que pretendam receber quando não estejam capazes de expressar a sua vontade pessoal e autonomamente.

Saiba como o podem fazer.

Os doentes oncológicos (e não só) podem elaborar um documento onde expressem antecipadamente a sua vontade no que concerne aos cuidados de saúde que desejam receber no futuro, no caso em que, por qualquer razão, não sejam capazes de expressar a sua vontade pessoal e autonomamente.

Estes documentos são designados directivas antecipadas de vontade (DAV), assumindo a forma e sendo também conhecidos por testamento vital.

Um testamento vital (directivas antecipadas de vontade sob a forma de testamento vital) pode ser feito por cidadãos nacionais, estrangeiros e refugiados (apátridas), residentes em Portugal, maiores de idade, que se encontrem capazes de dar o seu consentimento consciente, livre e esclarecido.

As DAV têm de ser formalizadas através de documento escrito, assinado presencialmente perante funcionário devidamente habilitado do Registo Nacional do Testamento Vital (RENTEV) ou por Notário.

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Ainda que o registo no RENTEV não seja obrigatório, o mesmo é recomendável, podendo ser feito presencialmente junto de um dos seus vários balcões, ou através do envio das DAV, já reconhecidas por notário, através de correio registado com aviso de recepção para o RENTEV.

No que concerne ao conteúdo das DAV, sem prejuízo da existência de Modelo próprio de uso não obrigatório (Portaria n.º 104/2014), das mesmas devem constar:

  • A identificação completa do outorgante;
  • O lugar, a data e a hora da sua assinatura;
  • As situações clínicas em que as directivas antecipadas de vontade produzem efeitos;
  • As opções e instruções relativas a cuidados de saúde que o utente deseja, ou não, receber;
  • As declarações de renovação, alteração ou revogação das directivas antecipadas de vontade, caso existam.
  • No caso de o outorgante recorrer à colaboração de um médico para a elaboração das directivas antecipadas de vontade, a identificação e a assinatura do médico podem constar no documento, se for essa a opção do outorgante e do médico.

Note-se que as DAV não podem prever instruções ou opções no que concerne a cuidados de saúde cujo cumprimento possa provocar deliberadamente a morte não natural e evitável, tal como prevista e criminalizada no nosso Código Penal. De salientar, não obstante, que a Lei n.º 22/2023 veio regular as situações em que a morte medicamente assistida não é punível estabelecendo o respectivo procedimento clínico, direitos e deveres.

As DAV podem, todavia, plasmar a vontade do utente de designadamente:

  • Não ser submetido a tratamento de suporte artificial das funções vitais;
  • Não ser submetido a tratamento fútil, inútil ou desproporcionado no seu quadro clínico e de acordo com as boas práticas profissionais, nomeadamente no que concerne às medidas de suporte básico de vida e às medidas de alimentação e hidratação artificiais que apenas visem retardar o processo natural de morte;
  • Receber os cuidados paliativos adequados ao respeito pelo seu direito a uma intervenção global no sofrimento determinado por doença grave ou irreversível, em fase avançada, incluindo uma terapêutica sintomática apropriada;
  • Não ser submetido a tratamentos que se encontrem em fase experimental;
  • Autorizar ou recusar a participação em programas de investigação científica ou ensaios clínicos.

O documento de DAV é eficaz por um prazo de cinco anos a contar da sua assinatura, renovando-se sucessivamente mediante declaração de confirmação. Realce-se que, quando no decurso do prazo de cinco anos acima referido ocorra a incapacidade do utente, a DAV mantém-se em vigor.

O documento de directivas antecipadas de vontade é revogável ou modificável, no todo ou em parte, em qualquer momento, pelo seu autor. Nesse caso o prazo de eficácia (cinco anos) considera-se renovado.

A acrescer, o autor da DAV pode, a qualquer momento e através de simples declaração oral ao responsável pela prestação de cuidados de saúde, modificar ou revogar as suas DAV, devendo esse facto ser inscrito no processo clínico, no RENTEV, quando aí esteja registado, e comunicado ao procurador de cuidados de saúde, quando exista.

Nesta conformidade, se constar do RENTEV um documento de directivas antecipadas de vontade, ou se este for entregue à equipa responsável pela prestação de cuidados de saúde, esta está, em regra, vinculada ao seu cumprimento. Tal não sucederá quando:

  • Se comprove que o outorgante/utente não desejaria mantê-las;
  • Se verifique evidente desactualização da vontade do outorgante face ao progresso dos meios terapêuticos, entretanto verificado;
  • Não correspondam às circunstâncias de facto que o outorgante previu no momento da sua assinatura.

Verificando-se qualquer um destes casos, o responsável pelos cuidados de saúde é obrigado a registar no processo clínico a existência de qualquer uma destas situações, delas dando conhecimento ao procurador de cuidados de saúde, quando exista, bem como ao RENTEV.

Convém, ainda, sinalizar-se que, em caso de urgência ou de perigo imediato para a vida do paciente, a equipa responsável pela prestação de cuidados de saúde não tem o dever de ter em consideração as DAV, no caso de o acesso às mesmas poder implicar uma demora que agrave, previsivelmente, os riscos para a vida ou a saúde do outorgante.

Salientar, por fim, que ninguém pode ser discriminado no acesso a cuidados de saúde ou na subscrição de um contrato de seguro, em virtude de ter ou não outorgado um documento de directivas antecipadas de vontade.