O Padre João Seabra foi chamado a ser padre de uma Igreja em retirada. Os efeitos do Maio de 68 tinham chegado a Portugal e à sua Igreja e esvaziado as suas fileiras. A cultura dominante tinha-se tornado, na melhor das hipóteses, indiferente à Fé, e em muitos casos abertamente anti-católica. Os jovens tinham abandonado a Igreja e muitos sacerdotes tinham simplesmente desertado. Os que sobravam pareciam, na maior parte das vezes, mais interessado no activismo social e político, marcado pelo pensamento de esquerda, do que na pastoral ou na doutrina.
O jovem que entrou no seminário dos Olivais em 1973 não ignorava os desafios que enfrentava. Bastava pensar que o velho casarão, que dez anos antes chegara a albergar mais de cem seminaristas, tinha então pouco mais de uma dezena. Mas este cenário desolador, longe de desanimar o Padre João Seabra, só lhe tinha tornado mais urgente a necessidade de anunciar Cristo.
O desafio era claro, como falar de Jesus num tempo e a uma sociedade que tinham abandonado a Igreja? E o Padre João percebeu sempre claramente que isso não seria possível repetindo apenas as fórmulas do passado. A Igreja da sua infância e juventude, vibrante, cheia, com uma forte presença na sociedade não voltaria. Era preciso encontrar ocasiões e lugares onde fosse possível ir ao encontro das pessoas, sobretudo dos jovens.
Mas para isso era preciso que a Igreja não se escondesse dentro de quatro paredes, nem tivesse medo de anunciar o que era. E isso foi claro para o Padre João Seabra desde o primeiro momento: via-se no facto de andar sempre vestido de batina ou cabeção (coisa rara naquele tempo), na clareza com que defendia a Doutrina da Igreja em qualquer lado, do altar à televisão, na forma desabrida e franca como abordava todos com quem se cruzava, nos corredores da Universidade Católica ou nas suas paróquias.
Intuiu também que não bastava ir ao encontro das pessoas, era preciso criar lugares onde fosse possível a todos, especialmente aos jovens, fazer a experiência do encontro com que Cristo. E assim nasceram as Equipas de Jovens de Nossa Senhora, e tantos campos de férias que daí brotaram, a peregrinação a Fátima da Católica, que havia de gerar dezenas de outras peregrinações, os Cursos de Noivos, coros, missões e tantas outras realidades que foram ocasião de encontro.
E seria este desejo de encontrar Cristo que o haveria de levar a Comunhão e Libertação. A experiência do encontro com monsenhor Luigi Giussani renovou no Padre João a urgência de dar testemunho da Fé.
Evidentemente que, num tempo em que a cultura se ia tornando cada vez mais anti-cristã, um sacerdote que defendia a presença pública da Igreja levantou sempre polémica. E se o Padre João Seabra nunca a procurou, também nunca fugiu dela. Teve sempre a coragem de defender publicamente a Igreja, com firmeza e ardor, mesmo quando era o único a fazê-lo. Por isso foi protagonistas em algumas das lutas culturais mais marcantes que a Igreja travou nos últimos 50 anos, e foi o grande incentivador da presença de católicos empenhados na política.
A maior obra do Padre João Seabra é sem dúvida a APECEF, a associação de onde nasceu o Colégio de São Tomás e que é responsável pelo Colégio de São José do Ramalhão. Esta obra deu corpo a um grande desejo seu, uma escola onde fosse possível educar catolicamente. Mas é extraordinário perceber que para o Padre João Seabra educar de forma católica não era educar apenas para a piedade, mas, como ensinava monsenhor Giussani, introduzir à realidade na totalidade dos seus factores. Por isso o Padre João Seabra sempre insistiu numa educação integral: na abertura à razão, na contemplação pelo belo, no rigor académico, na certeza de que uma Fé sólida exige a capacidade de olhar e ajuizar a realidade.
No fim da sua vida o Padre João Seabra sofreu uma doença grave, que lhe foi impedindo os movimentos e a fala. Mas viveu a doença como viveu toda a sua vida de padre: sem qualquer plano ou pretensão que não fosse servir Jesus. E se a força e a voz lhe iam faltando, foi sempre acompanhando como podia aqueles que lhe tinham sido confiados. Até ao dia da sua morte.
Não sabemos como seria a Igreja de Lisboa e de Portugal se o Padre João Seabra não tivesse aceite ser padre, mas sabemos que dificilmente seria a mesma. Num tempo de retirada, onde tantos desertaram, o Padre João Seabra nunca teve dúvidas em afirmar publicamente a presença de Jesus e em defender, mesmo quando deixado sozinho, a presença pública da Igreja. E a sua Fé e coragem deram frutos de tal forma abundantes que é possível reconhecer a sua influência em grande parte das realidades da Igreja que hoje florescem em Portugal.
Por isso sobre ele podemos dizer como São Paulo: “Combati o bom combate, terminei a minha carreira, e guardei a Fé”. A sua e a nossa.
Jurista