A recente decisão da Autoridade Portuguesa do Ambiente (APA) de concessionar à  empresa privada Voltalia a exploração da Barragem do Cabril para a implementação de  painéis fotovoltaicos flutuantes merece uma reflexão crítica profunda, especialmente no  contexto das complexas questões ambientais que envolve.

Este artigo pretende analisar e questionar esta medida, destacando os potenciais  impactos negativos e a falta de um processo de decisão inclusivo.

Falta de Consulta aos Municípios Locais 

Um dos pontos mais preocupantes desta decisão é a ausência de consulta aos  municípios de Pedrógão Grande, Sertã e Pampilhosa da Serra. Estes municípios,  diretamente afetados pela decisão, não foram ouvidos, o que configura uma ação  unilateral por parte da APA. Segundo o Artigo 66, alínea e) da Constituição da República  Portuguesa (CRP), “Para assegurar o direito ao ambiente, no quadro de um  desenvolvimento sustentável, incumbe ao Estado, por meio de organismos próprios e  com a colaboração das autarquias locais […]”, deve existir uma colaboração estreita com  as autarquias locais na tomada de decisões que venham a ter um impacto no ambiente.  Este preceito não foi cumprido, comprometendo a legitimidade democrática do processo.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Impacto nos Recursos de Combate aos Incêndios 

A Barragem do Cabril desempenha um papel crucial como ponto de abastecimento de  água para os bombeiros durante a época de incêndios. A instalação de painéis  fotovoltaicos flutuantes pode restringir o acesso à água e comprometer as operações de  combate aos incêndios numa região conhecida pelas elevadas temperaturas e elevada  incidência de fogos florestais. A decisão da APA, ao não considerar este fator vital, revela  uma falta de sensibilidade para com as necessidades locais e uma falha em priorizar a  segurança e bem-estar das comunidades envolventes.

Princípio da Precaução e da Prevenção 

A legislação ambiental portuguesa, nomeadamente no artigo 3º, alínea c) da Lei nº  19/2014, estabelece o princípio da precaução e da prevenção como pilares fundamentais  da política de ambiente. Estes princípios exigem que sejam tomadas todas as medidas  necessárias para evitar danos ambientais antes que eles ocorram. No caso da Barragem  do Cabril, não sabemos se foi realizado um estudo de impacto ambiental abrangente que  considerasse todas as variáveis e riscos associados à instalação dos painéis fotovoltaicos  flutuantes. A ausência de tal estudo questiona a conformidade da decisão com os  princípios estabelecidos na legislação.

Danos Potenciais  

A implementação de plataformas fotovoltaicas flutuantes pode causar danos  significativos à fauna e flora locais. A barragem abriga uma variedade de espécies  aquáticas e terrestres que podem ser afetadas pela alteração do seu habitat natural. O  regime jurídico da responsabilidade ambiental estabelece a necessidade de proteger a biodiversidade e prevenir a destruição de ecossistemas. Contudo, parece que os  impactos potenciais sobre a biodiversidade não foram suficientemente considerados  pela APA.

Impacto nas Atividades Económicas Locais 

A barragem é também um centro de atividades recreativas e económicas, incluindo a  pesca desportiva e as atividades dos clubes náuticos. A presença de painéis fotovoltaicos  flutuantes pode interferir com estas atividades, prejudicando os pescadores e os clubes  que dependem do uso livre da barragem. Estas atividades não apenas são uma fonte de  lazer, como também de rendimento para a população local. A decisão da APA, ao  desconsiderar estes aspetos, demonstra uma falta de visão integrada das necessidades e  dinâmicas socioeconómicas da região.

Conclusão

A decisão da APA de concessionar a exploração da Barragem do Cabril à Voltalia para a  implementação de painéis fotovoltaicos flutuantes é altamente questionável sob vários  prismas. A falta de consulta aos municípios locais, o potencial comprometimento dos  recursos de combate aos incêndios, a ausência de um estudo de impacto ambiental, os  danos potenciais à fauna e flora, e o impacto negativo nas atividades económicas locais  são todos motivos para uma reconsideração urgente desta medida.

A proteção ambiental deve ser uma prioridade, mas deve ser alcançada através de  processos inclusivos e bem fundamentados que respeitem as necessidades e  preocupações de todas as partes envolvidas. A decisão da APA, como esta, falha em  cumprir este padrão e necessita de uma revisão cuidadosa para garantir um futuro  sustentável e equitativo para a região.