Birras, insolências e arrufos. Resmunguice, fúrias e manias. Conversas, explicações e toneladas de paciência. Tutoriais, posts e imensos influencers. A vida de alguns pais é um inferno. E é descrita, muitas vezes, desta forma. Tudo porque vivem cercados de opiniões de mães de primeira viagem que, muito rapidamente, se transformam em “experts” em psicologia positiva e em “parentalidade consciente”. Por técnicos de saúde mental que, mal se licenciam e fazem uma pós-graduação de três fins de semana, se apresentam como especialistas em parentalidade. E por coachs que, chegados das mais diversas profissões, usam os jargões do momento e lhes propõem técnicas, planos, soluções e programas. No meio de tantas opiniões “técnicas”, a parentalidade escorrega, muitas vezes, para o “já tentei tudo”. E deixa para trás o sexto sentido e a aprendizagem por ensaio e erro, trocadas por uma parentalidade assertiva. Sem erros! Mas com muita técnica. O mais desconcertante é que, em muitos momentos, no meio desta cascata de opiniões pouco razoáveis, a psicologia tem prestado um serviço muito assim-assim à maioria dos pais.

Regra geral, estes pais à beira dum ataque de nervos perdem-se, aos bocadinhos, começando, regra geral, por guias sobre a autoridade dos pais. Que, na maior partes das vezes, passou a ser vivida como um termo quase interdito. Talvez porque se tenha vindo a confundir autoritarismo com autoridade. E a presumir que a autoridade, na parentalidade, introduz uma atmosfera pouco democrática na relação entre os pais e os filhos. Que desconsidera a opinião, a autonomia e a felicidade das crianças. Daí que se tenha saltado para um território muito escorregadio que, a pretexto de coisas sensatas – como, por exemplo, o cuidado, a delicadeza ou a compreensão que todas as crianças merecem ter – tem vindo a encaminhar os pais de um extremo para o outro.

Dantes, era comum os pais afirmarem, com naturalidade, que as crianças não tinham querer. Dando a entender que a vontade delas, em confronto com a dos pais, sairia sempre a perder. Agora, entrou-se por uma atmosfera gentil e de cortesia em relação aos cuidados parentais, adequando-se os pais às opiniões, às vontades, às teimosias e, até, aos caprichos dos filhos. O que faz com que, quase sem darem por isso, muitos deles “mandem” nos pais. (Em relação ao sítio onde querem dormir. Às quantidades de colo que exigem. À forma como não toleram estar sozinhos e transformam a mãe numa sombra, sempre em “modo de alerta”. Àquilo que comem e às maneiras como se alimentam. Etc.) E leva a que os pais “obedeçam”.

Dantes, as crianças eram, muito frequentemente repreendidas, castigadas e, até, batidas. Agora, os pais explicam, justificam, negoceiam e ficam exauridos de tanto pedirem compreensão.

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Dantes, as crianças eram separadas das conversas dos crescidos. Agora, interrompem-nas, atropelam-nas e, se for preciso, pautam-nas.

Dantes a boa educação das crianças era sinónimo de submissão e de temor. Agora, a má educação das crianças é um sinónimo urbano de “muita personalidade”.

Dantes, o medo (confundido com respeito) mediava a relação entre os filhos e os pais. Agora, muitos pais vivem a parentalidade a medo. Medo de errarem como pais. Medo de os traumatizarem com o exercício da sua autoridade. Medo de comprometerem a felicidade das crianças. Medo. Medo. E mais medo!

Nada neste processo de aprendizagem dos pais se tornaria perigoso se, em muitas circunstâncias, eles não perdessem a mão no crescimento dos seus filhos e não resvalassem de um registo de “o meu filho não gosta nada de ser contrariado” para a resignação com que aceitam que ele recuse a autoridade deles. Daí escalando para os comportamentos de desafio. E para a insolência. Até que se chegue à designação (muito infeliz) de “pequenos tiranos”. Como se por trás duma criança muito difícil não estivessem em enormes dificuldades. Que culmina, adolescência adentro, com uma frequência de episódios de violência verbal e de maus-tratos de filhos em relação aos pais que não podem senão ser, sobretudo, alarmantes. Não que os pais sejam sempre e só vítimas. Mas, em muitas circunstâncias, são-no! Vítimas das suas atitudes assustadas. Porventura, frouxas. Ou excessivamente permissivas. E muito condicionados por manuais, guias, posts e webnairs. Não se dando conta que os pais bonzinhos são os verdadeiros inimigos dos bons pais.

O mais grave disto tudo é que muitos destes pais, tentando sobretudo fugir a erros para com o exercício da autoridade que identificam, hoje, nos seus pais, dão voltas e voltas e, muitas vezes, deixam que os filhos ocupem o lugar autoritário que, outrora, foi assumido pelos pais dos pais. Como se entre a sua experiência de filhos e os seus desempenhos de pais houvesse uma porta giratória que os leva dos comportamentos que reprovavam nos seus pais até a comportamentos igualmente reprováveis, agora, dos seus filhos. Acabando por ser vítimas da culpabilidade que tantas opiniões “técnicas” que consomem lhes trazem. Encaminhando-os para a insegurança. Para a instabilidade. E para uma auto-estima parental frágil e muito sufocante.

No meio destas areias movediças que foram emergindo duma psicologia positiva sobre a educação (por vezes, a partir de interpretações muito livres das suas propostas iniciais), têm vindo a surgir manifestações de burnout parental que se traduzem no esgotamento de muitos destes pais diante das coordenadas educativas a que se sentem “obrigados”. Como se as reacções de exaustão parental a esta cascata de sugestões sobre a parentalidade não fossem estranhas às “fórmulas de sucesso” que lhes foram propondo. E eles não fossem, de facto, lesados destas derivas da “psicologia”. Havendo, agora, entre estes mesmos “técnicos” da parentalidade, quem eleja o estilo de exigência oriental ou algumas novas tendências francesas para castigar os bebés, desde os doze meses – fechando-os no quarto, sozinhos, por um minuto ou dois e, depois, mais e mais (a que chamam, com pompa, não “quarto escuro” mas “time out”) – que vêm a ganhar grande expressão. Talvez porque proponham soluções mais autoritárias para tanto e tão incoerente permissividade.   

As crianças precisam de regras coerentes e constantes que lhes dêem coordenadas e que as orientem! Com os pais e, a partir da relação com eles, também com os outros. Regras que representem um mínimo denominador comum para as atitudes educativas da mãe e do pai, que funcionem como um código da estrada. Regras que pautem os ritmos das crianças e que se assumam como rotinas que as balizem. Regras que, de início, começam com um “não!” E com um olhar um tudo-nada zangado. Que, “no limite”, terão, de facto, um “quanto baste” de “músculo” que as repreenda. E que, sempre que for indispensável, as reprima; um bocadinho. Já a sua ausência faz com que as crianças não saibam com que regras podem contar. E, em consequência disso, tentem fazer, elas próprias as suas regras nas circunstâncias mais diversas que frequentem. É por isso mesmo que elas se agitam e se tornam inseguras. Parecem “eléctricas” ou hiperactivas. São impulsivas e desafiadoras. Com todas as consequências que isso tem para o seu próprio desenvolvimento. Sobretudo quando se movem num contexto social ou na escola.

Não se trata, pois, de opor aos pais permissivos, gentis e “obedientes” pais autoritários e intimidatórios. Mas de deixar ao bom senso dos pais as coordenadas daquilo que entendam que é equilibrado exigir. Sendo certo que, quando, numa família, um dos pais é o “polícia bom” e o outro o “polícia mau” isso significa que uma criança já está a mandar para lá do razoável. E que daí se passe para não haver uma lei que oriente a vida da família mas, em princípio, três leis. Que, como se compreende, empurram as crianças e os pais para uma tremenda confusão.

Ora, terem pais demasiado exigentes tem custos tão graves como terem pais excessivamente permissivos. Se o autoritarismo dos pais  torna as crianças mais facilmente infelizes, a  autoridade a medo que eles possam ter ajuda-as, mais do que parece, a não serem tão felizes como podiam ser. Daí que seja razoável regressarmos ao sexto sentido, ao “dedo que adivinha” e ao bom senso dos pais (com o contraditório entre as opiniões da mãe e do pai sempre a fazer a sua lei).

Os bons pais não são aqueles que não erram! Nem que aqueles que parecem indiferentes aos seus erros de pais. Os bons pais fazem uma asneira “de 8 em 8 horas”. Culpabilizam-se porque não estão em todo o lado ao mesmo tempo e não são perfeitos. Tão depressa se esganiçam como se comovem. Da mesma forma como são bondosos têm as suas furiazinhas passageiras. Mas são pais que aprendem muito depressa com os seus erros. E são pais livres duma mão cheia de curiosos que os infernizam com técnicas parentais “infalíveis”. E é, justamente, por causa disso, que se tornam melhores pais à medida que são pais. A ponto de eu dizer, nos dias de algum exagero, que, se mandasse, “obrigava” os pais a serem avós antes de serem pais.