Quando Diana Baumrind cunhou o termo “estilos parentais” há algumas décadas, certamente não imaginava que a tecnologia transformaria tão profundamente a forma como os pais interferem na educação dos seus filhos. O que observamos hoje, particularmente através dos grupos de WhatsApp, é uma versão hipertrofiada daquilo que Cline e Fay posteriormente batizaram como “pais helicóptero” – uma realidade que está a minar os alicerces do nosso sistema educativo.
Testemunho diariamente, enquanto profissional da educação, situações que me deixam profundamente preocupado. Numa escola secundária de Lisboa, presenciei recentemente um episódio revelador: uma professora de Matemática, com 25 anos de experiência e um mestrado em Didática, viu-se obrigada a justificar, exercício por exercício, um trabalho de casa perfeitamente adequado ao 10.º ano. O motivo? Uma mobilização relâmpago no grupo de WhatsApp dos encarregados de educação, que culminou num email coletivo à direção questionando o “volume excessivo” de trabalho.
Este não é um caso isolado. No Porto, uma iniciativa escolar para desenvolver a responsabilidade – impedindo que os alunos que se esqueciam do material participassem em certas atividades práticas – resultou numa verdadeira operação militar nos grupos de WhatsApp. Os pais organizaram-se em turnos para entregar material esquecido durante o dia letivo, sabotando completamente o objetivo pedagógico da medida.
Julie Lythcott-Haims, antiga diretora da Universidade de Stanford, apresenta dados que deveriam fazer-nos refletir profundamente: houve um aumento de 40% nos casos de ansiedade entre estudantes universitários nas últimas duas décadas. Não é difícil estabelecer a ligação com a hiperproteção parental que observamos hoje. Como argumenta Martin Seligman, esta proteção excessiva está a impedir o desenvolvimento da “resistência psicológica” essencial para a vida adulta.
Na minha experiência profissional, tenho observado com preocupação crescente como os grupos de WhatsApp se transformaram em tribunais populares onde as decisões pedagógicas são escrutinadas sem qualquer fundamento técnico. Em Coimbra, uma colega professora de Português atribuiu 14 valores a um trabalho e viu-se no centro de uma tempestade digital. O grupo de WhatsApp transformou-se num fórum de análise microscópica dos critérios de avaliação, com pais a comparar notas e a exigir justificações, ignorando completamente o valioso feedback construtivo que a docente havia fornecido.
Mais preocupante ainda é o impacto desta hipervigilância no desenvolvimento social dos nossos jovens. Numa escola de Braga, um simples desentendimento entre dois alunos durante o intervalo – o tipo de situação que tradicionalmente serviria como aprendizagem social – transformou-se numa crise institucional quando os pais, através do WhatsApp, começaram a tomar partidos e a exigir medidas disciplinares. Certamente, as escolas têm o dever fundamental de agir com firmeza e rapidez perante situações comprovadas de bullying, implementando protocolos claros e medidas interventivas imediatas quando identificados casos de violência sistemática ou assédio continuado. No entanto, é crucial compreender que nem todo o desentendimento entre alunos configura uma situação de bullying. Os pequenos conflitos, as discordâncias momentâneas e até mesmo as discussões ocasionais são parte natural e necessária do desenvolvimento social das crianças e adolescentes. Quando rotulamos precipitadamente qualquer conflito como bullying, não só banalizamos situações verdadeiramente graves como também privamos os nossos jovens de oportunidades valiosas para desenvolverem competências de resolução de conflitos, negociação e empatia.
Os números que observamos no terreno são alarmantes: uma proporção significativa dos professores portugueses reporta interferência parental frequente através de meios digitais, e muitos admitem alterar decisões pedagógicas devido à pressão dos grupos de WhatsApp. Mais preocupante ainda é a perceção generalizada entre os docentes de uma diminuição na autonomia dos alunos nos últimos anos. Esta realidade, que constato diariamente no contacto com colegas de profissão em diferentes escolas do país, reflete uma mudança profunda na relação entre família e escola, mediada e amplificada pela tecnologia.
Como sociedade, precisamos de reconhecer que estamos a criar uma geração de jovens emocionalmente frágeis, incapazes de lidar com a mais pequena adversidade. Stuart Shanker, conceituado neurocientista, tem alertado consistentemente para a importância crucial da autorregulação no desenvolvimento infantil – precisamente aquilo que estamos a impedir com esta hipervigilância digital.
É urgente estabelecer limites. É fundamental investir na formação parental sobre desenvolvimento infantil e adolescente, e criar espaços de reflexão sobre práticas parentais saudáveis.
A tecnologia pode e deve aproximar famílias e escola, mas não à custa da autonomia dos nossos jovens. Precisamos de desenvolver uma mentalidade de crescimento – e isso significa permitir que os nossos alunos enfrentem desafios, cometam erros e aprendam com eles.
Se continuarmos no caminho atual, corremos o risco de criar uma geração incapaz de enfrentar os desafios do mundo real. É tempo de repensar a nossa abordagem à parentalidade na era digital. Os nossos filhos agradecer-nos-ão no futuro, mesmo que não compreendam agora.
Termino com uma reflexão: que tipo de adultos queremos formar? Seres dependentes, constantemente à espera que alguém resolva os seus problemas, ou indivíduos autónomos, resilientes e capazes de enfrentar os desafios da vida? A resposta a esta questão deveria guiar cada intervenção parental nos grupos de WhatsApp.