Uma professora de Matemática, baseada na cidade de Pune, Índia, com boa experiência e competência recebeu um convite para ir trabalhar para Portugal, nos arredores do Porto. Através de pessoa amiga ela contactou-me para saber do ambiente humano, clima, grau de desenvolvimento, etc., para tentar entender como se adaptaria e se deveria aceitar o convite.

Perguntei se ofereciam uma remuneração que desse para refazer a sua vida em Portugal, com a sua Família. Deu-me uns dados do que receberia e o subsídio de relocação. Como tenho vindo a ouvir coisas “curiosas” sobre as remunerações, que nem sempre abonam em favor dos que fazem as ofertas, perguntei-lhe quanto lhe pagariam se ela fosse Portuguesa ou Norte-Americana (portadora de passaporte desses países).

Ela já tinha indagado sobre isso e disse-me que outra Professora de origem Indiana, com passaporte do Canadá, estava a trabalhar na mesma escola, com responsabilidades do mesmo nível que ela e recebia o dobro do que lhe ofereciam como remuneração mensal. E porquê a diferença, perguntei? Mais experiência? Só por causa do Passaporte. Eu não queria acreditar! E menos ainda que isso se passasse em Portugal!

Tinha ouvido coisas parecidas dos países do Golfo, com uma clara discriminação introduzida talvez pelos britânicos, considerando saloios todos os outros asiáticos. Lembrei-me que na Índia colonial havia cartazes junto dos hotéis que diziam: Indians and dogs not allowed; e uma vez, quando o grande empresário e filantropo, Jamsetji N. Tata, fundador do Grupo TATA, ao entrar num hotel com os seus amigos, alguns deles britânicos, suponho, foi impedido de o fazer. Dizem que nessa altura ele teria tomado a decisão de mandar construir o melhor Hotel da Ásia onde não haveria nenhum tipo de discriminação. E nasceu, anos depois, o magnífico Taj Hotel, em Mumbai.

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Se o trabalhador tem passaporte Europeu ganha habitualmente mais, nos países do Golfo, cerca do dobro ou mais do valor de outro com passaporte Indiano, para o mesmo tipo de trabalho e responsabilidades. E, note-se, que em geral uma pessoa da India trabalha com grande dedicação e inteligência, e com um rendimento muito superior a qualquer outro, com a mesma competência…

Custou-me aceitar o que me dissera a Professora, porque sendo Portugal tão sensível a temas de “igual remuneração, para igual trabalho”, não deveria permitir que se fizesse uma descriminação por algo tão estranho ao trabalho como o passaporte. Eu vivi toda a vida profissional em Portugal e encontrei sempre o melhor acolhimento e a máxima valorização dos meus trabalhos, ao lado de colegas de Portugal. Nasci em Goa, tenho passaporte Português e a aceitação pelos colegas e superiores era, julgo, pelo mérito do trabalho…nunca pela cor da pele ou pelo passaporte.

Fiquei a pensar que a nossa memória é demasiado curta ou nos esquecemos do que não nos interessa recordar. Passaram-me pela cabeça atrocidades de outros tempos, com absurdas discriminações, para explorar os pobres e vulneráveis, por exemplo, como o começo da escravatura. Os colonizadores Europeus foram rápidos a explorar essa via de enriquecimento, à custa da destruição de pessoas e de famílias. As pessoas feitas escravas e reduzidas a uma mercadoria, pela cor da sua pele, tão-somente! Tão fácil e tão rentável…

Os escravos transportados em condições deploráveis, não mais davam sinal de si e as famílias ficavam numa permanente angústia. Só tinham de aceitar a sua triste sina! E foram, dizem, cerca de 12,5 milhões escravos levados da África para as Américas. (Aconselho ver o filme “Amazing Grace”.)

Igualmente deplorável foi que quando estava a terminar a escravatura, no Reino Unido foi aprovada no Parlamento (?) uma compensação aos que tinham sofrido com a vida de escravo. E para quem foi tal compensação? Não para as famílias dos Escravos, mas para os traficantes dos mesmos que tinham ficado agora sem o seu negócio! Só no Reino Unido poderia isso acontecer!

E inventou-se o apartheid, baseado na cor da pele, seguido por quase todos os colonizadores. Estava a imaginar como seria aceitar a discriminação na remuneração do próximo Primeiro-Ministro Britânico, no caso de ser de origem indiana. Por ter a pele mais escura, iria receber apenas a metade da remuneração que recebeu o anterior PM, de “pele branca”?  Gandhi “acreditou” que era cidadão britânico e viajou no compartimento de primeira classe na África do Sul. Aí foi o seu encontro com a realidade… e foi escorraçado, por não ser branco! Felizmente para a Índia.

Será que no território português se podem aplicar duas medidas remuneratórias diferentes, na mesma empresa, ponderando factores que nada têm a ver com o cerne do trabalho, a responsabilidade e os resultados do mesmo? Se sim, parece-me inaceitável e haveria que alterar a legislação. As entidades oficiais deveriam estar atentas a estas situações de discriminação remuneratória. Haveria que pôr ordem, mesmo tratando-se de alguma Instituição de Ensino não Nacional, a operar no país. Ela terá de seguir os princípios e leis nacionais, do país onde trabalha, julgo eu.

Deveria acabar-se com tal estado de coisas, como se fez com a escravatura, com o apartheid e outras discriminações, como as castas. E apenas considerar a qualidade e o valor do trabalho pedido e feito, independentemente do passaporte, da cor mais clara ou escura e mesmo da ascendência familiar.

Mumbai, 22 de Julho de 2022