Muitos cidadãos da Índia poderão estar a entrar numa fase de ostentação, para se afirmarem perante os seus colegas e amigos, com a sua capacidade de despender, dada a grande riqueza de que dispõem. Muito raramente foi assim na Índia, pois a enorme e generalizada pobreza quase tornava proibitivo gastar sem medida. Todos pensavam que o excesso supérfluo podia ser a sobrevivência de muitos.

Hoje os gastos, de acordo com os dados de uma cadeia de TV são muito chamativos,  com um grande aumento de compras de carros de luxo, de apartamentos luxuosos,  ditos “exclusivos”, acessíveis a muito poucos, de férias dentro e fora da Índia, em hotéis, pagando por vezes diárias excessivas. Tudo, despesas  que nunca pensariam fazer  há uns anos atrás.

Os comerciantes de hotelaria sabem que têm clientes que querem ter um tratamento “exclusivo” e cobram bem por isso. Em certas épocas e nos dias de acontecimentos especiais (final de um campeonato, Natal ou Novo Ano, o Eid, o Divali, a Festa das Cores, etc., as diárias disparam, pela grande procura. Poderiam ir para outros hotéis menos luxuosos, com gastos nitidamente inferiores, mas isso parece diminuí-los na sua aceitação social, pensam eles.

Tais atitudes de pessoas abastadas são, naturalmente, da sua responsabilidade. Mas faz sempre bem pensar e fazer pensar em aspetos relacionados com as despesas em si, com o exemplo que se deixa, sobretudo aos mais novos da família. Mas, de modo especial, nos usos alternativos que o excesso de gastos em relação ao que seria normal, poderiam ter, com a correspondente utilidade social. Impõe-se sempre uma atitude de se questionar se o que faço é correto, ainda que o dinheiro seja “meu”.

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O número de bilionários e famílias ricas vai crescendo a bom ritmo na Índia. Foi de 169 bilionários, em 2023. Os cidadãos com mais de $30 milhões em ativos eram em junho de 2020, de cerca de 6.000.

O Papa Francisco dizia: “De novo faço minhas e proponho a todos algumas palavras de São João Paulo II, cuja força talvez não tenha sido compreendida: ‘Deus deu a terra a todo o género humano, para que sustente todos os seus membros, sem excluir nem privilegiar ninguém’ (Centesimus annus, 31). O princípio do uso comum dos bens criados para todos é o ‘primeiro princípio de toda ordem ético-social‘ (Laborem Exercens, 19), é um direito natural, originário e prioritário (Compêndio de doutrina social, 172)”.

Em boa verdade, já devíamos ter aprendido bastante ao sofrermos em conjunto com o mal da COVID e vermos como tínhamos de ser solidários uns com os outros. De contrário, a propagação do mal nuns, ricos ou pobres, depressa poria em risco a vida de todos os outros, mesmo que de ricos se tratasse.

A luta contra certos tipos de males não pode ser só de alguns afetados, mas de todos, pois todos poderão vir a ser impactados em qualquer momento. A superação de certos males na Sociedade tem de ser resultante de um esforço coletivo, solidário e coordenado, mais do que um esforço isolado de A, B, ou C, diretamente afetado.

Quando pensamos que aquilo que gasto “é meu”, deverá perguntar-se se não terá havido uma subtração ao que seria devido aos outros: no que lhes deveria ser pago, como salário; no que deveria ser pago como imposto sobre os rendimentos, etc. Ou se não houve uma apropriação indevida, subvalorizando o património do país, como na exploração dos minérios, na utilização da água, etc.?

Depois, ainda que na nossa posse, quanto ele valeria – que resultados poderia dar-, se aplicado para ajudar pessoas singulares ou apoiar a criação de infra-estruturas de saúde ou de educação, para atender pobres, sem meios. Aquelas poderiam vir a ter uma vida diferente, com menos carências, mais meios para a sua saúde ou ainda para realizar um trabalho profissional, com base numa boa formação universitária que eventualmente poderiam ter recebido.

Lembro-me da profunda impressão que me causou, ao assistir a uma Conferencia do TED, o Prof. R. A. Mashelkar [2], que tinha altas responsabilidades em matéria de inovação na Índia, a dizer com muita simplicidade que ele, até aos 12 anos ia para a sua escola de pé-descalço. E quando fez o 11.º ano, o chamado S.S.C, iria abandonar os estudos porque a sua mãe não podia ajudá-lo a estudar mais.

Foi quando da Tata House recebeu uma bolsa mensal de 60 Rupias (cerca de 2/3 de euros,) instituída pela Dorabji Tata Trust, que permitiu a Mashelkar continuar os seus estudos. Dizia ele que se não fosse a bolsa não estaria diante daquela assistência, naquele dia, a dar a Conferencia e manifestava assim o seu enorme agradecimento ao Grupo Tata.

Para quem tem alguma sensibilidade, o exemplo anterior fará pensar…Porque muito do supérfluo pelo qual enveredamos, pode ser da maior utilidade para que mais jovens, desejosos de aprender, possam continuar os seus estudos. E que mais pessoas possam ter acesso aos cuidados de saúde de que necessitam.

O supérfluo dos ricos bem pode ser a sobrevivência de muitos pobres e a elevação intelectual, por via dos estudos, de muitos deserdados da fortuna.

[1] Raghunath Anant Mashelkar é um cidadão indiano, Engenheiro Químico, nascido na aldeia de Marcel, em Goa, e que cresceu no Estado de Maharastra. Ele foi Director-Geral do Conselho da Investigação Científica e Industrial.