Não é segredo para ninguém que muitas das reivindicações dos funcionários públicos se centram no acesso ao topo das carreiras. Os beneficiários são quase sempre os que estão perto de terminar a vida ativa e se aproximam do momento em que os seus salários vão passar a ser pagos pelos sistemas de segurança social. Aumentar os rendimentos auferidos na última década é muito importante, porque entram para o cálculo do valor da pensão, e vão determinar a qualidade da vida futura. Numa altura em que a esperança de vida aos 65 anos é de cerca de vinte anos, todos os esforços neste sentido são importantes.
Este objetivo é raramente anunciado de forma explicita. Agita-se que é preciso tornar as profissões atrativas para os jovens, que estes estão a fugir do país para economias que lhes oferecem melhores condições, mas a solução apresentada reside invariavelmente no acesso ao topo da carreira. Na verdade, estamos a falar do princípio enraizado de que os salários devem aumentar progressivamente até que se atinja o fim da vida ativa.
Proporcionar uma reforma o mais confortável possível é um objetivo digno. Manter o esforço dos contribuintes no sistema de pensões, mesmo para aqueles que nunca contribuíram, é meritório. Mas não é possível esquecer que o futuro depende mais da capacidade que tivermos de proteger os jovens na sua formação, no início da sua vida profissional, na constituição de família em qualquer das modalidades, e na educação dos filhos. E é nesta altura da vida que as despesas são maiores.
Como estamos perto do fim do ano escolar, é difícil esquecer a discussão da “recuperação do tempo de serviço”. Ninguém perdeu tempo de serviço durante a fase final do governo de José Sócrates e a intervenção da troika. O que os funcionários públicos perderam foi a contagem desse tempo para efeitos de progressão na carreira, e essa perda afetou toda a administração. A medida agora negociada com os sindicatos de professores terá que ser estendida a toda a administração, apesar de as outras carreiras não conhecerem as vantagens da progressão praticamente automática da carreira docente, onde é difícil encontrar uma relação entre mérito e salário. Na verdade, o verdadeiro problema só agora começou.
A atividade docente, quando exercida com compromisso por profissionais qualificados, ou seja, que tenham conhecimento das matérias que lecionam, interesse real por elas, e desejo de transmitir esse interesse às gerações mais novas, é muito exigente e tem uma grande importância. Foi no passado uma profissão com grande reconhecimento social e, há várias décadas, era a saída profissional por excelência em muitas áreas do conhecimento.
A docência foi perdendo, em Portugal e em toda a Europa, a capacidade de atrair jovens, que encontram melhores alternativas profissionais. Entre nós, a imagem transmitida pelos dirigentes sindicais, continuamente na televisão, também não é apelativa para os candidatos à profissão, e tem vindo sempre a piorar. Não lembram os professores com que tive a sorte de estudar nos anos sessenta no Liceu Pedro Nunes, ou os que conheci de perto nos anos em que lecionei no ensino secundário, na década de setenta, muitos com atividade sindical, mas altamente empenhados na defesa dos “seus” alunos. Também não lembram muitos professores dedicados que existem atualmente nas escolas portuguesas. O foco excessivo nos “direitos sindicais” ou na “pedagogia” tirou-lhes o encantamento dos divulgadores das ciências, das humanidades ou das tecnologias. Sobrou-lhes só a irritação e o cansaço.
Em Portugal os professores da escola pública têm um tratamento um pouco mais favorável do que os técnicos superiores da administração pública: engenheiros, juristas, economistas, meteorologistas, e muitos outros, mas a sensação que têm, e que transmitem, é a de que são discriminados negativamente. O que não é verdade.
Sejamos claros: os salários em Portugal são baixos em termos europeus, e são incompatíveis com uma vida decente para quem não dispõem de apoio familiar. São ainda mais insuficientes à entrada do mercado de trabalho, onde o salário, mesmo para as profissões que desfrutam de prestígio, não paga uma renda de casa. Neste sentido as reivindicações são justificáveis. Mas serão possíveis de satisfazer e vale tudo para fazê-las vingar?
Perdeu-se da memória a discussão pública que teve lugar entre 2006 e 2015 sobre a impossibilidade de o Estado ser capaz de pagar a prazo a “bomba de relógio” dos automatismos nos aumentos salariais. A falta de senso atingiu tal limite que os candidatos ao governo nas últimas eleições competiram entre si para saber quem seria mais lesto a ceder às reivindicações, não questionando nem os meios disponíveis, nem a justiça relativa dessas medidas e a necessidade de tratar da mesma maneira situações em tudo similares. E quando falamos de custos adicionais temos de contabilizar os atuais e os futuros, razão pela qual, são os valores “brutos” que interessam e não os “líquidos” a menos que nos queiramos enganar a nós mesmo.
A solução é difícil, mas creio que passa por reavaliar as baias demasiado rígidas dos percursos profissionais ligados ao ensino. Distinguir o essencial do acessório, privilegiar o conhecimento e não as técnicas pedagógicas e, nunca, mas nunca, deixar alunos sem aulas. Todos os anos saem das universidades licenciados e mestres em todas as áreas, com conhecimentos que podem ser mais sólidos do que os obtidos nas fileiras dos estabelecimentos de formação de professores. Devemos ver como dar oportunidade a este potencial, reduzindo na medida do possível a dependência em relação às corporações profissionais.
É merecido o reconhecimento social da missão dos professores, mas também é necessário repor, nesta como em todas as carreiras, o primado do mérito e preservar a sustentabilidade financeira do país. E, existindo recursos, priorizar os esforços para melhorar os salários dos jovens professores em princípio de vida.
Nos últimos anos as greves cirúrgicas atingiram com violência os alunos e as famílias que não têm meios para compensar as aulas em falta, ou pagar colégios. Muitos assistiram desesperados a esta luta salarial, onde parecia valer tudo, impotentes para mitigar os seus efeitos e sem conseguir defender os seus filhos. É preciso reunir as condições para que esta situação se não volte a repetir.
E se concluirmos que a administração pública não tem seriedade suficiente para que o mérito seja avaliado com equidade, ou que os governos não têm capacidade para negociar salários de forma equilibrada, porque as corporações têm ferramentas que se voltam contra os mais frágeis, então, temos de parar para pensar, antes que seja tarde.