Os trabalhadores da Docapesca estão em greve e as lotas poderão encerrar. Esta é a notícia que fez manchete, esta quarta-feira, em diversos meios de comunicação nacionais. Em primeiro lugar, é necessário demonstrar solidariedade e apoio aos trabalhadores da Docapesca, empresa que integra o Setor Empresarial do Estado e que têm vindo a lutar por aumentos salariais e respetiva revisão do Acordo de Empresa. É um direito que lhes assiste, reivindicar melhores condições de carreira e salários.

Temos conhecimento de que na semana passada o Sindicato dos Trabalhadores da Marinha Mercante, Agências de Viagens, Transitários e Pesca (Simamevip) levou a cabo uma reunião com a Docapesca, manifestando as preocupações destes trabalhadores, no entanto a empresa não se encontrava mandatada para negociar aumento de salários, sendo essa uma obrigação do Governo. Mediante as suas atribuições e competências, foi proposto um aumento de 0,50 euros no subsídio de alimentação e 3% nas diuturnidades, o que foi considerado ofensivo pelo Sindicato.

Em seguida, houve uma reunião com o Ministério do Trabalho e ainda outra, esta terça-feira, entre os vários sindicatos que representam trabalhadores da Docapesca e a ministra da Agricultura e Pescas, sem que existissem avanços relativos aos aumentos salariais no ano vigente. Perante estes e outros acontecimentos, os portugueses não terão peixe fresco na sua mesa da Páscoa, uma vez que a greve tem início quarta-feira e prolonga-se até sábado.

Todavia, é importante que se pergunte: e os pescadores? Nomeadamente a pequena pesca costeira e local, artesanal, que efetua pagamentos à semana e que depende da proximidade de épocas festivas, tais como o Carnaval, Páscoa (aqui em causa) e o Natal. Que não escolhe dias para levar a cabo a sua atividade pesqueira, dependente da intempérie devido à dimensão das suas embarcações e ainda reféns do flutuante preço do pescado de Primeira Venda.

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Foram acautelados serviços mínimos para que esses pescadores, que representam empresas de pequena dimensão, pudessem ao menos aproveitar esta época festiva numa óptica de compor os seus rendimentos familiares? Não constam informações nesse sentido, simplesmente que alguns que possuíssem contratos de venda direta o poderiam fazer. Com esta greve o pequeno pescador é prejudicado e certamente que não verá da parte do Governo qualquer tipo de compensação.

A precariedade do trabalho e os rendimentos da pesca têm vindo a tornar paulatinamente desinteressante a aproximação de jovens a este setor de atividade, impossibilitando a renovação geracional dos recursos humanos e consequente força de trabalho. E esta situação é sintomática de um Governo que acarinhou o Ministério do Mar, mas que agora fomentou o seu desmembramento e que tarda em reconhecer a evidente importância da Estratégia Nacional para o Mar no que toca às Pescas.

Houve oportunidades mais que suficientes para abordar, dentro de tempo útil, e resolver estas reivindicações dos trabalhadores da Docapesca, que não são novidade e já eram conhecidas por iniciativas anteriores, não tendo sido devidamente consideradas. Agora, num cenário de Guerra na Europa e subsequente aumento dos combustíveis, também de aumento do custo de vida, vão irremediavelmente afetar um setor, incerto por natureza e muito sensível a acontecimentos externos e internos (covid-19). Tudo porque não se olha com olhos de ver as reais dificuldades de quem depende do Mar para o seu sustento e das suas famílias.

Embora este raciocínio possa parecer injusto às pessoas nomeadas para as tutelas que incidem sobre a Pesca em Portugal, nomeadamente as governamentais, a realidade é que no fim do mês o seu vencimento está garantido, algo que não é tido como certo por parte de quem se arrisca no Mar, logo é necessário repensar a forma de interação entre os diferentes intervenientes desta cadeia produtiva e a garantia de qualidade deste produto, porque está visto que as dificuldades de um, rapidamente se tornam nas dificuldades de todos. Porquê? Porque o setor não é robusto o suficiente para ficar privado de laborar numa altura festiva em que o valor do pescado iria e vai, certamente aumentar.

A impossibilidade do pescador, titular de uma pequena empresa, em poder contornar esta e outras problemáticas, decidir em que condições pode efetuar a venda direta do seu pescado, faz com que seja um dos únicos sectores de atividade a nível nacional em que a alternativa à Docapesca, e pela sua sobrevivência, seja o mercado paralelo. Isto não pode acontecer e é demonstrativo da necessidade de procurar alternativas para que os pescadores, perante situações semelhantes às presentes, possam continuar e providenciar o seu produto.

Não se deseja no entanto retirar aos trabalhadores da Docapesca, os meios para possuírem capacidade reivindicativa junto do Governo, mas teria sido oportuno terem escolhido outra data, por exemplo depois da Páscoa, para levarem a cabo a sua justa e meritória demanda por melhores condições de vida. O setor e os pescadores não se podem dar ao luxo de uma paragem em contexto festivo, e o Governo, que falhou e que teve tempo mais que suficiente para normalizar estas reivindicações, é o principal culpado pela falta de peixe fresco na mesa dos portugueses nesta Páscoa. E os pescadores, uma vez mais, passarão por dificuldades.