Por entre o ruído que se instalou nos órgãos de comunicação social nos últimos tempos, sobra-nos pouco tempo para refletir sobre o que realmente conta no meio da crise de regime que nos tem consumido os dias. E o que verdadeiramente conta são os resultados das políticas públicas, o seu impacto na vida quotidiana dos portugueses e a competência e capacidade de quem as prossegue ou prosseguiu. Qual é o legado de 8 anos de governação de António Costa? Que transformações estruturais se concretizaram em Portugal? No final do dia, e para além da espuma, é sobre isto que vale a pena refletir, e será sobretudo na matéria de facto, e não no ruído, que incidirá a avaliação de desempenho que os portugueses farão dos mandatos do, ainda, primeiro ministro.

Não esqueçamos as condições políticas, provavelmente, irrepetíveis. Uma maioria no parlamento que conferia, à partida, garantia de governabilidade sem sobressaltos. Um primeiro ministro politicamente hábil e experiente, com boa aceitação e acolhimento junto da população. Um partido aparentemente pacificado em torno do seu secretário-geral. Um volume de financiamento europeu como não há memória. A bonomia generalizada da comunicação social e do “comentariado” e um País em situação financeira estabilizada.

O plano, concebido logo em 2015, assentou essencialmente na devolução de rendimentos por via administrativa. Nunca foi óbvia a preocupação em apoiar a captação de investimento privado, em reforçar o papel das empresas e de quem nelas investe e desta forma contribuir para gerar valor para o País. O princípio da devolução de rendimentos, da reposição do valor das pensões e reformas e do aumento progressivo e previsível do salário mínimo, é acertado e socialmente justo. António Costa sublinhou desde o primeiro dia em que assumiu funções que o objetivo seria o de virar a página da austeridade, sem com isso colocar em causa o equilíbrio das contas públicas. Decorridos 8 anos, confirma-se que, quanto à questão de princípio estava correto, mas a forma como tal objetivo foi atingido, sobrecarregando fiscalmente a classe média, as empresas e o trabalho em níveis próximos do incomportável, é, para dizer o mínimo, discutível.

Chegados a 2023, a cerca de 4 meses dos portugueses serem chamados às urnas para eleger um novo parlamento, o que sobressai é porventura a rutura generalizada de serviços públicos essenciais. Da saúde à educação, da justiça às forças de segurança. Conflitualidade social com manifestações e greves recorrentes. Um país impaciente e expectante.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Na área da saúde, por razões que ainda carecem de explicação, e por opção meramente ideológica, decidiu-se pela extinção ou não renovação das parcerias público-privadas, que até então apresentavam resultados positivos, tanto ao nível do cumprimento dos objetivos de prestação de cuidados médicos, como de satisfação dos utentes.

O setor da habitação vive igualmente tempos particularmente preocupantes. Pouca ou nenhuma oferta pública de casas face às necessidades evidenciadas pelo mercado, preços incomportáveis para a aquisição de habitação e um mercado de arrendamento pouco dinâmico, oferecendo valores estratosféricos para a classe média, em particular nas grandes áreas metropolitanas. Com isto, há uma geração adiada na conquista da sua independência financeira, progressão social e desenvolvimento profissional, obrigada a permanecer em casa dos pais para lá dos 30.

No dossier da privatização da TAP – provavelmente o tema marcante da legislatura que ora finda – tudo se mantém em suspenso. Entre supostos avanços e recuos, o governo vai alterando constantemente a sua opinião. Vende, não vende? Aliena a maioria do capital, parte dele ou mantém a companhia maioritariamente pública? As discussões mantêm-se infindáveis: sobre a manutenção do hub em Lisboa, sobre os putativos interessados e respetivas condições de aquisição, registando-se ao dia de hoje como única certeza a de que coexistiram, no interior do governo, visões profundamente divergentes sobre o tema.

A questão do novo aeroporto, que valeu uma admoestação pública ao então Ministro das Infraestruturas, continua igualmente pendente. A comissão técnica independente prevê entregar o estudo sobre a avaliação das diversas localizações até ao final do ano corrente. Ainda assim, e afigurando-se a decisão final como iminentemente política, antecipa-se que, com um governo em gestão até meados de 2024, tudo permanecerá como até aqui, em águas de bacalhau.

O diálogo de concertação mantido com médicos e professores não conheceu nas últimas semanas avanços que nos permitam encarar com esperança a resolução do impasse nos 4 meses de legislatura que ainda restam. Com grande probabilidade, ambos os processos negociais não conhecerão nenhum outro desfecho que não o da paralisação, remetendo o problema para quem vier a seguir. Até lá, médicos, utentes, professores, alunos e encarregados de educação continuam com a sua vida em suspenso.

E suspenso continuará também o dia-a-dia de muitos portugueses num País que se arrasta em gestão corrente, com pouca ambição e rasgo, há largos meses. Que março de 2024 não tarde e que traga consigo a esperança e a transformação política, económica e social de que as famílias e as empresas portuguesas tanto precisam.