(Artigo originalmente publicado por ocasião do aniversário do primeiro Mundial conquistado por Pelé e agora republicado depois da morte do antigo jogador brasileiro)

O Brasil é uma potência mundial do futebol desde sempre. Só lhe falta um título de campeão mundial. Caaaalma, estamos a escrever como se estivéssemos em 1958. Uruguai, Itália, Itália, Uruguai e RFA, eis a lista de vencedores do Mundial. O Brasil continua a zeros. O que é uma lástima para quem apresenta jogadores de classe xpto como Leónidas e Ademir. Tanto um como outro melhores marcadores da dita competição, um em 1938, outro em 1950, ano em que o Uruguai rouba o título ao Brasil no último jogo, em pleno Maracanã.

Para evitar mais despistes, a comissão técnica do Brasil planeia o Mundial ao pormenor. Só se esquece de um pormenor, a numeração das camisolas. Como já não há tempo para grandes conversas, o uruguaio Lorenzo Villizio, membro da organização do Mundial, define a numeração por conta própria e é profético ao dar o 10 a Pelé, numa altura em que o avançado nem sequer é conhecido fora do seu país. Com o 10 nas costas, o moleque de 17 anos vira rei num piscar de olhos. Embora falhe os dois primeiros jogos por lesão, Pelé estreia-se com a URSS e acerta uma bola na trave aos dois minutos. Depois, acerta a pontaria: é o herói dos quartos vs Gales como autor do golo solitário, assina um hat-trick vs França na meia-final e celebra um bis vs Suécia na final. Começa aqui a lenda.

Três anos depois, a obra-prima de Pelé durante um Fluminense vs Santos. Tamanha é a beleza do lance que o jornalista Joelmir Betting manda fazer uma placa em homenagem ao craque e registar aquele momento único do futebol. “Neste estádio, Pelé marcou no dia 5 de Março de 1961 o golo mais bonito de sua carreira, dando origem à expressão ‘Gol de Placa’”. O melhor mesmo é ler a crónica do jornal ‘O Globo’ sobre o lance.

O tempo passa, 40 minutos do primeiro tempo. Bola com Gilmar que descarrega a bola para a lateral. Recebe Dalmo que entrega a Pelé que recua e vem receber a bola na sua intermediária, bem perto da área do golkiper Gilmar.

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Pelé recebe e controla a bola. Imprime velocidade e vai avançando desde a sua intermediária. Alcança o campo tricolor, sempre vigiado e acossado por jogadores adversários. Vem sobre ele Pinheiro, Pelé se livra de Pinheiro e avança célere em busca da grande área tricolor. Dribla de passagem Clóvis e leva também de roldão Jair Marinho e numa estocada se vê diante de Castilho e toca fora do alcance do goleiro. Alguns mais exaltados, afirmavam que aquele gol teria que valer por dois.

De facto, o gol foi tão espetacular que arrancou aplausos de todos os torcedores que, de pé, esquecendo-se de suas paixões clubísticas e embora empunhando bandeiras tricolores, proporcionaram uma cena jamais vista no Maracanã. Foram quase dois minutos de palmas, contados a relógio, enquanto Pelé desaparecia debaixo dos abraços dos companheiros. Com relação ao jogo, podemos afirmar que torna-se cada vez mais difícil encontrar adjetivos para traduzir o que está jogando a equipe do Santos.

No mínimo, teríamos que repetir o chavão, frisando que é verdadeira máquina. Máquina que se encontra bem ajustada, engrenada e azeitada, peças perfeitas e que se ajustam de forma incrível. Começaríamos por Pelé e Coutinho que, no futebol, repetem os fechos das histórias românticas: nasceram um para o outro. Quando um parte, o outro sabe o que fazer, como se tivessem estudado as jogadas dentro da pensão onde moram em Santos. Eles se juntam aos demais jogadores que formam um conjunto harmónico de futebol bonito, rápido e eficiente.”

O tempo passa. Pelé é bicampeão mundial em 1962, tri em 1970. É caso único na história. Abandona o futebol jogado, é comentador no tetra em 1994 e inventa a Lei do Passe como ministro do Desporto no Brasil. Está em todas. Para o bem e para o mal. Como toda a gente, Pelé também pisa a bola. O seu currículo é extenso, agora leia lá.

1990
Previsão – uma selecção africana vencerá o Mundial antes do ano 2000
Resultado – estamos em 2020 e só dois países chegam aos ¼ final (Camarões 1990, Gana 2010)

1991
Previsão – destaque no Mundial sub-17, Pelé proclama o jovem ganês Nii Lamptey como seu sucessor
Resultado – Lamptey diz-se amaldiçoado por forças negras e falha espectacularmente, ao rodar sem sucesso por 13 clubes, inclusive U. Leiria (zero golos em sete jogos na época 1998-99)

1994
Previsão – a Colômbia vai vencer o Mundial dos EUA, na ressaca do 5-0 à Argentina em Buenos Aires
Resultado – a Colômbia é eliminada à primeira, num grupo com EUA, Suíça e Roménia

1998
Previsão – a Espanha é a favorita para o Mundial de França
Resultado – a Espanha é eliminada ainda na fase de grupos, após perder o jogo inaugural com a Nigéria e empatar com o Paraguai

2002
Previsão – a China joga em casa e qualifica-se para os oitavos do Mundial Coreia/Japão
Resultado – a China acaba em último no grupo C, sem pontos nem golos

2002
Previsão – a final será entre Argentina e França, é tiro e queda
Resultado – as duas selecções são eliminadas na primeira fase (e a França, detentora do título, nem marca um golo para amostra)

2002
Previsão – o Brasil não passa a fase de grupos
Resultado – com Scolari ao leme, o Brasil vence todos os sete jogos rumo ao penta e Pelé é encostado a um canto no meio da festa dos jogadores brasileiros

2004
Previsão – com Raúl no onze, a selecção portuguesa pode ser campeã europeia
Resultado – sem Raúl, internacional espanhol desde 1996, Portugal chega à final

2008
Previsão – Ronaldo fenómeno nunca mais jogará futebol, após a enésima lesão
Resultado – Ronaldo volta em Março 2009, pelo Corinthians, com dez golos em 14 jogos rumo à conquista do Paulistão (e ainda levanta a Taça do Brasil)

2010
Previsão – Ronaldinho, do Milan, será convocado para o jogo de Março e irá ao Mundial na África do Sul
Resultado – Dunga chama os 22 e nenhum deles é Ronaldinho

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1982
Previsão – durante o “Fuga para a Vitória”, Pelé sai de campo a perder 4-0 e diz que não há como regressar ao relvado
Resultado – Pelé volta na segunda parte e inspira os Aliados a chegar ao 4-4, com um golo de bicicleta pelo meio

(ou seja, até na ficção, as previsões de Pelé não se confirmam)