Na Áustria, especificamente na cidade de Viena, decorrente do caos causado pela primeira guerra mundial e também pela dissolução do império Áustro-Húngaro, surgiram os chamados Gemeindebau – blocos residenciais para a habitação social que rapidamente se tornaram parte indissociável da arquitectura da cidade, bem como da própria cultura vienense.
Entre 1920 e 1930 a cidade de Viena comprometeu-se com a firme ideia, apelidada de utópica por muitos, de que através dos impostos que eram pagos pelos mais abastados ter-se-iam de construir grandiosos complexos de blocos habitacionais, com rendas consideradas acessíveis, localizados em zonas da cidade onde também viessem a ser implantados múltiplos serviços, tais como escolas, lavandarias ou postos médicos.
A intenção subjacente a este plano era a de que toda a população deveria ter acesso a condições habitacionais condignas mas, mais do que isso, a intenção era a imperativa e urgente necessidade de se proceder à erradicação do estigma social que o acesso à habitação social encerrava por si só.
Assim sendo, o propósito último deste ensejo seria a muito almejada coesão social da população vienense, visto que o que estava subjacente a este projecto era que a malha habitacional de cariz social que iria ser construída não deveria estar disponível apenas para aqueles que eram pobres ou desfavorecidos mas, ao invés, para toda a população que a essas habitações quisesse ter acesso, abolindo-se assim a formação de guetos na cidade.
A intenção, outrora considerada utópica, de construção das referidas habitações, foi efectivamente levada a efeito, tendo-se perpetuado no tempo e alastrado no espaço físico pertencente à cidade de Viena. De tal forma que nos dias de hoje 60 % da população vienense vive em casas subsidiadas, sendo que legislação recentemente publicada consagra que dois terços das novas zonas habitacionais da cidade sejam destinadas obrigatoriamente à construção de mais “Palácios do Povo”, modo como são apelidadas este tipo de construções de habitação social.
Viena é assim, nos dias de hoje, um território onde se conseguiu que os habitantes vivam imbuídos num verdadeiro sentido de comunidade, onde os estratos sociais se entrelaçam e confundem no acesso àquele que é considerado um dos direitos mais básicos inerente ao ser humano: o direito à habitação.
Em Portugal, desde 25 de Abril de 1974 que as políticas de habitação social têm sido desenvolvidas quase que casuisticamente, sem qualquer estratégia pensada a médio/longo prazo. No período imediato à revolução dos cravos a habitação era uma das principais reivindicações da população portuguesa. Nessa época pós-revolucionária, marcada por grande turbilhão social, assistiu-se a uma ocupação massiva de casas devolutas, naquele que viria a constituir-se como um dos fenómenos urbanos mais peculiares alguma vez registados no país. Nessa altura foram criadas diversas organizações de cariz comunitário focadas na resolução do problema habitacional existente. A difusão destes movimentos comunitários precipitou em 1974 a criação do Serviço de Apoio Ambulatório Local (SAAL), um programa de construção habitacional que visava essencialmente colmatar as necessidades habitacionais da população.
As operações SAAL foram consideradas uma referência internacional em termos de participação popular nos processos de desenho habitacional urbano. No âmbito do referido programa formaram-se equipas multidisciplinares que trabalhavam com o Fundo de Fomento da Habitação (FFH) e com Comissões de Moradores, cujo propósito era aferir necessidades e expectativas das populações, num processo manifestamente participativo, revolucionário e inovador, catalogado à data como sendo um fenómeno de indiscutível democracia directa, tendo sido pois a primeira política de habitação social do nosso país.
No entanto, a baixa concretização ao nível de construção de fogos habitacionais, associada à consolidação da democracia representativa em Portugal, ditaram a revogação deste programa, sendo nos dias de hoje uma recordação longínqua de algo que poderia ter ido mais além do que aquilo que lhe foi permitido ir. Desde 1976 que a Constituição da República Portuguesa consagra o direito à habitação naquela que pode ser considerada uma assunção inovadora, em contraponto com o disposto noutras constituições europeias.
Porém, ainda que nos anos subsequentes às operações SAAL as chamadas cooperativas de habitação tenham assegurado a construção de inúmeras residências de interesse social em Portugal e a década de 1990 tenha sido marcada pelo esforço do país na efectiva erradicação de um grande número de graves situações de habitabilidade, numa demanda sem precedentes, a verdade é que na área da habitação social muito está por planear e ainda muito mais está por concretizar.
O parque habitacional de cariz social existente em Portugal tem vindo a ser pensado e construído com o propósito primordial e urgente de realojar e assim poder colmatar situações de miséria que violam inequivocamente os direitos humanos mais fundamentais. No entanto, nos dias de hoje, urge ponderar novos constrangimentos no acesso à habitação, já que cada vez são mais aqueles que trabalham e não conseguem pagar uma habitação adequada às suas necessidades.
O brutal aumento das rendas habitacionais, o negócio desenfreado do alojamento local, a especulação imobiliária que sufoca e bloqueia os centros das cidades ao vulgar cidadão tornam imprescindível uma nova abordagem à disponibilização de habitação social. Urge realojar as famílias indicadas pelas câmaras municipais, no âmbito do último inquérito realizado pelo IHRU mas também fornecer habitação a muitas pessoas cuja indicação não foi abrangida pelos critérios usados nesse inquérito.
Enquanto na Áustria, mais concretamente na cidade de Viena, se gasta actualmente cerca de 183 milhões de euros por ano na manutenção da malha de habitação social existente e enquanto se destinam muitos mais milhões de euros para construção de mais fogos, já pensados e planeados até 2026, o nosso país ainda carece de percorrer um longo caminho a fim de se reinventar e deixar de estar entre os países da UE com menor quota de habitação social.
Caberá aos municípios, após a aprovação das respectivas Estratégias Locais para a Habitação, a árdua tarefa de promover soluções habitacionais para os seus territórios, sejam elas a reabilitação, a construção, a aquisição de fracções ou prédios habitacionais, a aquisição de terrenos para construção habitacional, o arrendamento para posterior subarrendamento, entre outras.
As repercussões de adequadas soluções locais ao nível da habitação trará, sem sombra para qualquer dúvida, inúmeras vantagens que se farão sentir de forma abrangente nos respectivos municípios e também, indiscutivelmente, no país.