Criou-se a ideia que somos frágeis quando nascemos. E somos. E que é por isso que as crias humanas precisam mais da sua mãe. E precisam. E que são muitíssimo menos autónomas do que todas as outras, filhas de outros animais. E é verdade que são. O que já me parece estranho é que não assumamos a nossa fragilidade mais orgânica (digamos assim). Aquela que nos faz precisar uns dos outros, pela vida fora.. E que, de forma hábil e inteligente, fez com que tivéssemos transformado uma necessidade indispensável e uma prova de vida numa prova de amor. E, com ela, de caminharmos em direcção à felicidade.

A verdade é que somos sensíveis, atentos e intuitivos. Logo, não temos como não ser frágeis. Interminavelmente, frágeis. E, por estranho que pareça, mais, ainda, quanto mais inteligentes e mais intuitivos, por dentro, parecemos ser. É engraçado como “o domínio” da tecnica nos dá a ilusão duma grandeza e, até, de alguma omnipotência capaz de rivalizar com uma ideia de Deus. E talvez seja por isso que o discurso da ciência pareça ter, aos olhos de muitos, tornado as ideias de “mistério da vida” ou, mesmo, de Deus mais ou menos supérfluas. Como se tudo o que não fosse demonstrável, mensurável e espúrio de sentimentos fosse falível. Somos, aos olhos daquilo que exigimos da escola aos nossos filhos, muito pouco complacentes com a ideia de falibilidade. Como se ignorássemos (ou fizéssemos por fazê-lo) o quanto somos falíveis. Ora, o que há de mais mágico em nós é que — contra tudo o que seria de esperar, que nos permite perceber que as probabilidades de falharmos são imensas e a perder de vista — sendo nós tão infinitamente capazes de falhar, é que sejamos capazes de acertar tantas vezes. E, mais, de falharmos tão poucas; até sermos capazes de acertar!

Eu acho que educamos os nossos filhos para uma ideia tão absurda!… É verdade que os imaginamos sempre melhores do que são; de acordo. E que não temos todas as crianças do mundo ao pé de nós. Logo, aquilo de que eles são capazes parece chegar e sobrar para nos deslumbrar. Mas a verdade é que isso não só lhes traz a ilusão de que valem mais do que, facto, valem. Como, também, lhes dá a ideia de que só estarão autorizados” a ser bons naquilo que fazem. A que, de facto, só se chega quando se aprende a errar. Mas que lhes dá a ilusão exactamente do contrário. Que ser bom é não errar. E evitar as falhas. Logo, aquilo que não lhes permitimos é o erro. Ora, como é que se pode ser “infalível” sem que se aprenda a ser falível? Quando evitarmos que falhem incentiva-os a que não aprendam. Será assim que esperamos que sejam bons?…

É verdade que, por exemplo, quando amamos, o sentimento de infinito nos trespassa. O que, feitas as contas, não casa em nada com a forma como precisamos de falhar ainda mais no amor porque a complexidade do desafio exige — mais e mais, ainda — que se erre mais vezes.  Claro que há pessoas que da “exorbitância” dos seus três falhanços amorosos concluem que três homens, por exemplo, são uma amostra significativa de todos os homens do mundo. E, para não correrem o risco de falharem outra vez, evitam quaisquer relações de forma a evitarem falhar. De novo. Desculpem o que o termo tem de agreste mas “falhados” serão aqueles que, de tanto evitarem erros, enganos e falhanços, falham de tão insistentemente evitarem a falha.

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A verdade é que esta forma como todos nós educamos para dar a ilusão de uma infalibilidade maior do que aquela de que somos capazes faz dos nossos filhos pequenos deuses de coisa nenhuma. Que os torna a eles (e nos torna nós) mais facilmente falsos. Narcísicos. E “resolvidos”. “Maiores”; quando o direito a falhar nos recorda que somos pequenos. A ponto de até o acto de admirar parece pleno de reservas e de reticências. Tudo o que a inteligência humana não admite a quem precise tanto de falhar para aprender.

As crianças falham mais vezes não tanto porque sejam crianças. Mas porque acreditam que são as suas falhas quem lhes aclara as pessoas com quem podem contar para aprender. Aliás, é estranho que a escola separe as crianças que falham mais vezes daquelas que falham menos. Como se estas aprendessem melhor. O que não é tão linear assim. Sem questionar a forma como a escola ensina e avalia, uma coisa é certa: se deixássemos as crianças falhar mais vezes, aprenderiam sem dúvida mais e melhor. E aprenderiam para sempre. Que é o “estádio” a que só se chega quando se retiram as consequências das nossas falhas e se aprende com elas.

Arriscar, então, não significa só aumentar as probabilidades de falhar. Por mais que, quanto mais arriscamos, menos ficamos presos a um só erro. Arriscar significa ousar reconhecer as falhas. Desafiá-las. E aprender com elas. Por isso mesmo, aquilo que distingue os sábios de todos os outros não é volume dos seus conhecimentos. Mas a dimensão da honestidade com que dialogam com a consciência de si, diante das suas falhas. Sempre que se arriscam… a aprender.

As probabilidades de falharmos são imensas. Até porque temos “várias vidas”. A concorrer, de forma acelerada, umas com as outras. Mas se à luz dessa probabilidade falhamos tão pouco, o pensamento é um exercício de uma improbabilidade permanente. E é fascinante que seja assim! É tão inacreditável esta capacidade de “cairmos em nós” (porquê “cair”?) e de “dar voltas à cabeça” (talvez mais: de “dar voltas na cabeça”. Não?…) que não percebo esta nossa “tentação” para sermos pequenos deuses de coisa nenhuma. Se, afinal, pensar (apesar das nossas falhas) faz de nós capazes de quase “todos” os milagres. Do que é que precisamos mais, a não ser de nos darmos o direito a falhar, mais convictamente, mais vezes?…

Criou-se a ideia que somos frágeis quando nascemos. E somos. E que é por isso que falhamos; muitas vezes. Mas não é assim que nada se passa! Notáveis não são as nossas falhas. Mas a forma – hábil e inteligente – que fez com que tivéssemos transformado a fragilidade, que é uma “necessidade” indispensável, numa prova de vida. E numa prova de amor.

Às vezes, escolhemos não arriscar para não sermos frágeis. E para não falhar. Porque havemos de escolher ser “falhados” se somos capazes de tantos milagres?…