1 A vida vai indo, sem ir. Um pé ancorado no mundo aflito dos écrans, o outro, no verde da nova morada, o campo agora para ficar. Residência fixa. E quanto se escreveu, se compôs, se “poetizou”, se pintou, se cantou sobre a vida no campo que não é igual a mais nenhuma outra? Conduzida quase só pelas venturas ou desventuras das colheitas, á mercê do capricho das estações e à rotina implacável do calendário, só as pequenas ocorrências – que podem subitamente ser grandes – lhe enfeitam os dias.

Com gestos que julgávamos esquecidos, ritmos e hábitos que já não eram nossos, sabores e cheiros redescobertos, lugares onde de repente se volta – a barragem, a mata, os charcos, as pequenas colinas – vai-se indo, sem ir.

Apesar porém do vagar – ou talvez por isso mesmo – a atenção redobra, os sentidos alertam-se. Para tudo se olha como se as coisas agora estivessem em relevo porque tudo passou subitamente a ter importância. Até essas pequenas ocorrências sem importância: um vulto que passa ao longe e não reconheço, os cães ao anoitecer, a Celina que deixou pão, o cheiro da terra húmida, o desolamento de tantas camélias a jazer no chão, o viço de uma primavera precoce, o sino da igreja aqui perto, a Foz do Arelho que “fechou”, interditando areias e mar… Ah e essa grande, grande, convocatória da qual é preciso fazer caso, para a valsa já a ser dançada na natureza pelos seus febris protagonistas (e haverá mais febril do que o viço da natureza na primavera?)

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