Felizmente, o humor está a vencer em Portugal. Calma, porque ainda somos o país do futebol, mas é certamente uma arte em crescimento. Podemos agora ver o Ricardo Araújo Pereira ao domingo; ouvir podcasts diários de comédia, tanto na rádio, como no “Spotify” e deslocarmo-nos aos recentemente criados “Comedy Clubs” – Temos um verdadeiro cardápio de humoristas que podemos escolher para nos fazer rir.

Como o humor de cada humorista parte da introspecção das suas vivências, é natural que existam vários tipos de humor. Temos o humor político do RAP; o juvenil do Pedro Teixeira da Mota; o de autorridicularização da Bumba na Fofinha; a imitação de vozes do Luís Franco Bastos; a personificação da Inês Aires Pereira; o de introspecção do Guilherme Geirinhas e até um humor “negro” do Rui Sinel de Cordes, que em doses controladas não deve ser reprovável (embora os espectadores possam responder com um riso alto, ou um olhar reprovador). Temos humor para todos os gostos e feitios!

Num Comedy Club em Lisboa podemos assistir a um rodízio de comediantes todas as noites: uns assustadoramente inexperientes, outros verdadeiros Ronaldos do humor. Infelizmente, ainda é raro serem reconhecidas mulheres nesta área, embora, mais uma vez, seja esse um padrão que está a mudar. Parece que o movimento sufragista demorou a chegar ao humor. Mesmo a adorada Joana Marques, que sacrifica a sua vida a ver e ouvir programas sem conteúdo, é das pessoas menos consensuais na sociedade. Se uns a idolatram, outros querem olho-por-olho por cada humilhação matinal. Por esse motivo, em várias noites deste palco lisboeta podemos unicamente assistir a homens a “mandar umas piadas”. Seria ridículo trazer quotas de género para este local, é certo, mas também chega a ser enjoativo passar umas quatro horas a ver e ouvir homens a criticar as suas namoradas, ex-namoradas, potenciais namoradas, mulheres, ex-mulheres e engates. Ir a um rodízio de carne pode ser uma boa ideia, a princípio, mas se ingerirem carnes vermelhas durante quatro horas seguidas, prometo-vos que vão rebolar do restaurante a desejar um estilo de vida vegetariano.

Mesmo que não adoremos piadas misóginas, isto é, o Fernando Rocha, de quem eu não sou particular apreciadora, o que é provavelmente percetível pela minha escolha de palavras, conseguimos por vezes sorrir de algum ponto de vista inteligente. Quando o Salvador Martinha gozou com o trânsito intestinal da namorada, aprovámos; quando o Guilherme Fonseca crítica os hábitos idosos da sua esposa Rita da Nova no livro que escreveram em coautoria, aprovámos; quando o Carlos Coutinho Vilhena gravava vídeos no carro com a sua namorada, a criticar a sua adoração por selfies em casal, aprovámos. No entanto, quando os humoristas são verdinhos, tendem a fazer referências de humor básico, estilo noc-noc, “entra um português, um alemão e um francês num restaurante” ou piadas do Joãozinho, mas fazem-no à custa das mulheres. Inclui-se neste catálogo tão original gozar com as atitudes das mulheres durante a menstruação, com a sua sensibilidade, com a falta de cedência intrínseca de quem possui um útero, da sua futilidade e do facto de serem umas máquinas de gastar dinheiro (deles). Para além disso, recorrem os rookies constantemente a termos como galdérias, prostitutas, oferecidas e traidoras.

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Depois, a saga dos signos. A obsessão do Chega com a comunidade cigana aplica-se aqui, mas ao invés de fachos temos humoristas e, ao invés de ciganos, temos pessoas que acreditam em signos. É fácil e engraçado falar de pessoas que só namoram com pessoas peixes, com ascendente em salmão, certo, mas, vejamos, não é um tema comum no dia-a-dia, (a menos que leiam o segmente de horóscopo das revistas ou dos programas da manhã). No entanto, para estes artistas, o insucesso amoroso das suas vidas é vítima da suposta obsessão feminina pelo horóscopo. São uns verdadeiros mártires da posição da lua aquando do seu nascimento. E, repito, uma referência a signos pode ser engraçada, mas 10 artistas depois, é saturador.

Atenção, se as noites fossem exclusiva a artistas (mulheres), seria um fartote de elevações de empoderamento feminino, conjugado com um “roast” aos homens, é certo. Uma “girls night” de comédia seria irritante para qualquer pessoa vítima das piadas. Para além disso, para quem não está habituado a ouvir piadas sexuais de mulheres, iria ficar extremamente chocado. Talvez até fosse necessário censurar o espaço a maiores de idade. Não concordas, Joana Gama? A questão é que isto (ainda) não acontece! E, portanto, só vivenciamos um lado da moeda. Para consumirmos a visão humorística feminina, temos muitas vezes de recorrer a artistas internacionais – recorrer à Jen Kirkman para ouvir o lado feminino de acabar um casamento de décadas; à Cristella Allonzo para aprendermos sobre choques culturais; à Hannah Gadsby sobre arte e doenças mentais; à Amy Schummer sobre ter excesso de peso; à Aly Wong sobre ser o sustento da família e à Taylor Tomlinson sobre ser jovem.

É por este motivo que uma noite de comédia deve incluir homens e mulheres; adolescentes, jovens, adultos e o Herman José; observadores pseudointelectuais e a Pipoca Mais Doce; pessoas de direita e de esquerda; “betos” e “grunhos” (ou “mitras”, para quem não é do Porto)”; de heterossexuais e de pessoas da comunidade LGTBQIA+. É preciso representatividade no humor! O próprio público tem de se identificar com a piada para ela conseguir provocar nele um riso e, na maioria das vezes, o público conta com pessoas de todas estas diferentes categoriais. Assim, as piadas têm de advir de pessoas diversificadas.

Tornar as noites nos Comedy Clubs menos homogénicas é proporcionar a qualquer expectador, pelo menos, uns minutos de humor. E esta é a beleza desta arte: conseguir agradar a “gregos” e “troianos”.