“Vamos embora, paizinho,” disse a segunda classificada, “que isto é tudo uma grande vigarice.”  O conselho é de 1933, mas foi dado e adoptado por incontáveis vencidos em toda a espécie de concursos artísticos.   Será um programa recente? A ideia de que nos encontramos no ponto moral mais baixo da história tenta-nos a imaginar uma idade antiga em que o mérito individual era reconhecido, e a concorrência era amena.   Atraem-nos por isso as academias literárias cosmopolitas dos séculos XVI, XVII e XVIII, e uma ideia de justiça mais amável para os segundos classificados.

Algumas descrições dessas academias indicam no entanto que poderá não ter havido uma idade de oiro.   O soneto “Uma sessão da Academia de Belas-Letras de Lisboa, mais conhecida pela denominação de ‘Nova Arcádia’” é um bom exemplo.   É atribuído a Manuel Barbosa du Bocage (1765-1805), e aparece nas suas obras póstumas.  Não importa se ele realmente o escreveu; Bocage é dos poucos poetas portugueses a quem tudo o que se parece com Bocage será sempre atribuído com acerto.

Depreende-se que as reuniões da academia tivessem lugar às quartas-feiras, no salão de um “fofo Conde” lá para o Paço da Rainha; presidia à assembleia “o neto da rainha Ginga,” sob um pseudónimo porcilatino.  Bocage não manifesta no soneto sinais de apreço pelo cosmopolitismo e pelo passado; também não acredita na amabilidade.   Queixa-se da “turba americana” e deplora “gestos e visagens de mandinga”; e ainda as amenidades disponíveis, que incluem “amostras de chanfana”, e “pão, manteiga e chá, tudo à catinga.”

Quanto às outras exerções académicas, vários animais fazem músicas e improvisam as letras.  O protagonista do verso “E o orangotango a corda à banza abana” transforma-se no fim do primeiro terceto num “rouco bode” cantor.  Os outros animais aplaudirão a metamorfose com mais literatura: “Belmiro em ditirambo, o ex-frade em ode” (o meio-verso “o ex-frade em ode” é um dos melhores meios-versos da poesia portuguesa.)   O soneto é alimentado pela hostilidade aos bichos cantores.  Hoje os historiadores conseguiram identificar os principais; e os dicionários do século XVIII esclarecem as palavras e expressões obscuras do soneto: “banza” (“viola, ou cítara”), “visagens” (“esgares, carantonhas”), “tudo à catinga” (“miseravelmente”).

Mas no resto os poemas, a história literária e os dicionários nunca iluminam os mistérios mais essenciais da competição entre poetas.   Não percebemos o azedume com que um membro da academia conhecido por ter toda a vida feito sonetos com ligas de duquesas trata aqueles que no fundo fazem a mesma coisa; não percebemos que os académicos detestem tanto as academias.   Este desgosto está relacionado com a cerimónia homeopática que define as relações entre poetas: acrescentar poesia à poesia.   Quando os poetas se aplaudem nas suas assembleias, mas também quando ameaçam sair delas, o resultado é sempre mais poesia.  O heptassílabo “Vamos embora, paizinho” é o mais antigo programa sistemático da história da literatura.

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