Das audições de Hugo Mendes, Pedro Nuno Santos e Fernando Medina à comissão parlamentar de inquérito podemos concluir que o pior ainda está para vir. Até agora, bem ou mal, António Costa conseguiu segurar as pontas do PS. Mas quando o actual primeiro-ministro decidir que é tempo de se afastar, os socialistas entram em roda livre. À primeira vista, esse desnorte seria benéfico para o país, mas não o será necessariamente. Entretanto, e antes de prosseguir, permitam-me que deixe uns breves esclarecimentos: não tenciono neste texto defender o papel de António Costa, que considero o pior primeiro-ministro português desde o 25 de Abril (depois de José Sócrates, pelas razões óbvias). Simplesmente, pretendo chamar a atenção que ainda podemos descer mais baixo. Outro ponto que devo salientar é que não escrevi o que se segue influenciado por um espírito de desgraça iminente, mas com o intuito de, conscientes do perigo que nos espreita, darmos a volta e sairmos por cima.

Fernando Medina não tem capacidade para tomar decisões políticas. É um governante esquivo, mais interessado em se eximir das suas responsabilidades que em escolher. Pedro Nuno Santos tem-se revelado como um autoritário que pretende construir a sua carreira de governante à força do dinheiro dos contribuintes. Qualquer um deles vai continuar a delapidação do Estado. É verdade que Medina conseguiu um défice muito baixo, mas com a ajuda da inflação, porque os efeitos da subida dos juros leva tempo para se fazer sentir, e à custa da degradação dos serviços públicos. Se nenhum derrotar definitivamente o outro, o PS cairá numa guerra interna sem precedentes. Até uma eventual derrota eleitoral dos socialistas pode ser perigosa porque dificilmente o PS aceitará perder nas urnas. Pode acontecer que a conceda e permita que um governo liderado pelo PSD tome posse, mas isso será enquanto o PS o tolerar. Não haverá estado de graça. Os socialistas não darão tréguas logo a partir do primeiro dia na oposição. De imediato sairão para a rua e os seus navegadores de redes sociais e os comentadores de serviço não deixarão pedra sob pedra. A tolerância será mínima, ou nenhuma, mesmo que numa democracia liberal seja indispensável que quem perde aceite que perdeu, com as consequências que uma derrota eleitoral implica.

Há 20 anos o Estado deixou de ter dinheiro para investimento público; mais tarde começou a faltar para pagar salários e pensões, a que se juntaram as dificuldades em manter os serviços públicos em pleno funcionamento. Escolas e hospitais têm cada vez menos condições para levar por diante duas das principais funções sociais consagradas na constituição de 1976. Se há 20, 30 anos, a educação era a paixão socialista, se o país fez um esforço por dotar as novas gerações com conhecimentos técnicos, não foi capaz de lhes arranjar trabalho nem salários à altura. Hoje em dia, um português com ensino superior ganha pouco mais que um com o estudo secundário. O país chegou a um nível de degradação tal que julgamos que o pior é impossível. Infelizmente não é porque a próxima degredação é política. A degradação da própria democracia.

Foi a esse processo que assistimos nas audições na comissão parlamentar de inquérito aos governantes do PS que nacionalizaram uma empresa de aviação porque quiseram fazer desta uma campeã nacional. Uma empresa bandeira, uma empresa estatal à boa maneira do passado como a British Airways, a Air France e a Iberia, uma empresa que mostrasse um Portugal diferente dos demais, uma originalidade portuguesa de excepção ao processo de globalização. Um resquício do ‘orgulhosamente sós’, uma bandeira desfraldada e orgulhosa de si mesma contra a corrente do tempo. Os governantes socialistas acalentaram um sonho, possível apenas se pusessem o país a trabalhar nessa direcção. Foi o que tentaram fazer com os 3,2 mil milhões de euros. É o que fazem as economias centralizadas dirigidas por decreto com ordens de políticos que se deviam concentrar no governo do Estado, mas que se contentam em financiar sonhos milionários com os milhões que tiram aos cidadãos.

Repare-se que das audições não saiu um reconhecimento do erro que foi a nacionalização da TAP. Concederam-se alguns ‘mea culpa’, mas relativos a factos muito específicos, situações pontuais em que os governantes do PS concederam que podiam ter agido melhor. Quanto ao fundo da questão teriam feito tudo igual. Não há, não houve nem haverá qualquer arrependimento com os milhares de milhões de euros que desperdiçaram na TAP. Sem a acção socialista, a TAP não existia. Esse foi o argumento. Não interessa a que custo, a que preço, com que consequências para o país e para as pessoas. É este o argumento dos totalitários: que são bem-sucedidos se levarem a sua avante independentemente das consequências para terceiros. Precisamente o que não pode acontecer numa democracia liberal em que os efeitos secundários das decisões são ponderados, em que se escutam todas as partes envolvidas, se pesam os prós e os contras, e de onde deriva o conceito da tragédia implícito ao acto de governar: escolher depois de ouvir; agir após ponderar; avançar não obstante a dúvida e ciente do que se perde.

Como podemos evitar a próxima desgraça? Só há uma maneira que é reconhecer que vamos atravessar um período de embate ideológico entre os defensores de uma democracia liberal e quem desta tem uma visão enviesada. Um momento político semelhante ao que Mário Soares e Francisco Sá Carneiro enfrentaram na década de 70 e que venceram. Ganharam porque sabiam o que queriam, porque acreditaram no que desejavam para o país e, convictos da sua posição política, olharam os adversários nos olhos e disseram-lhes que não.

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