A notícia das investigações que, a 12 de julho, envolveram 100 inspectores a buscas procurando provas de pagamentos ilegais a assessores do PSD durante a liderança de Rui Rio, e que passaram pela casa do próprio e pela sede do PPD até às 4 da manhã, baseiam-se numa interpretação da lei que separa o financiamento para a actividade dos grupos parlamentares na Assembleia da República do financiamento da actividade dos partidos políticos.

No atual estado da democracia (que os partidos não querem mudar) a democracia é uma democracia de partidos e se estes não recebem do orçamento de Estado as verbas suficientes para poderem funcionar ou estão a gastar mais do que podiam ou então estão a receber menos do que deviam. O que não faz sentido é ver deputados da Nação a lamuriar-se nas redes sociais de que a Lei do Financiamento Partidário é pouco clara ou consagra verbas insuficientes aos partidos. Os deputados são os legisladores por excelência da República: se uma lei é pouco clara ou insuficiente é aos deputados que cabe corrigi-la. Se lhes falta tempo, dediquem menos tempo a cacicar votos nas suas federações ou a comentar futebol nas televisões ou contratem mais assessores com as verbas que desviam para pagar a funcionários dos partidos. Não se queixem. Não reclamem. Façam.

Sugiro que quem leia estas palavras faça um teste: aceda às páginas de alguns dos 230 deputados no site do Parlamento e envie algumas mensagens a alguns deputados de vários partidos. Pela minha experiência de anos de contactos (tentativas) com deputados, a esmagadora não irá responder. Nem sequer com uma resposta automática. Na verdade, e de forma consistente ao longo das várias legislaturas, menos de 1% dos deputados respondem a pedidos de contacto e os que o fazem respondem apenas de forma vaga e descontextualizada ou ou limitam-se a dizer que encaminharam o pedido de contacto para o grupo parlamentar. Isto é inaceitável.

Confrontados com esta situação, vários deputados que encontrei em reuniões e eventos públicos ou partidários invocam a falta de tempo ou a falta de assessores. Ambos os recursos são sempre, necessariamente, escassos mas o tempo resulta sempre de prioridades. E quando vemos deputados da República acumulando as suas funções com várias actividades, como gestores de empresas ou advogados, ou em comentários (pagos) de futebol nas televisões, sabemos que é aqui que se encontra o tempo que falta aos deputados para responderem aos cidadãos. O mesmo quando vemos o orçamento para o funcionamento dos grupos parlamentares a ser desviado para actividade dos partidos em vez de ser aplicado na contratação de assessores parlamentares. Se um deputado ganha 3700 euros ilíquidos (para além de vários apoios), valor que é próximo dos países que, na Europa, remuneram mais os seus deputados, então estamos perante montantes que poderiam servir para financiar um reforço da quantidade de assessores, verba que poderia ser construída a partir de uma contribuição colectiva para esse serviço partilhado.

Estou ativo nos movimentos sociais, candidaturas presidenciais e associações desde 2016 e desde 2021 que sou eleito local a uma assembleia de freguesia em Lisboa. Em todos os anos nunca deixei um contacto por responder, nunca me furtei a uma pergunta ou dúvida e nunca recusei ajudar quem quer que fosse, mesmo sabendo que muitos destes cidadãos eram eleitores de um partido diferente daquele em cujas listas participei. Em campanha, a reclamação que mais ouvi foi a de que os eleitos apenas falam com os eleitores em campanha eleitoral e que no resto do tempo desaparecem e recusam contactos com os cidadãos, preferindo a cacicação de apoios dentro da sua bolha partidária e dos dirigentes nacionais e locais do momento. E nunca tive ou precisei de assessores, fazendo esse trabalho depois da minha jornada diária de trabalho ou ao fim de semana. Sendo um cidadão absolutamente mediano em inteligência e capacidades, isto prova que seria possível aos deputados da República fazerem algo de semelhante. Assim o quisessem fazer.

A reformulação do sistema de financiamento dos partidos políticos é importante para garantir a transparência, a equidade, a redução da corrupção e o fortalecimento da democracia e é absolutamente inaceitável que permaneça pouca clareza na legislação lavrada na própria Assembleia da República e num contexto de crescimento do populismo.

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