Confirmamos agora que o senhor primeiro-ministro se sente confortável com o trabalho feito pelos ministros da educação e da ciência e ensino superior. Assume plenamente a sua falta de orientação estratégica para construir um futuro melhor para os portugueses.

Na educação, este governo conseguiu encontrar uma frente de batalha com os sindicatos depois do “grande êxito” da extinção dos contratos de associação e dos exames de fim de ciclo. Seriam estes os problemas do nosso sistema de ensino? Estaria aqui a causa do nosso abandono precoce cuja queda foi mantida no período mais difícil, mas já perdeu gás no último ano? Seria esta a razão para temos ainda tantos jovens que não terminam o ensino secundário? Em 2017, terminaram o secundário 75 615 alunos de uma coorte de perto de 120 000! Este é um escândalo que devia polarizar a atenção do ministério e justificaria bem a demissão de um ministro que não reconhece sequer o problema. Não é esta a visão de António Costa.

No ensino superior muitas universidades e institutos politécnicos pagam salários com os saldos acumulados nos anos anteriores e este subfinanciamento (défice encoberto) agrava-se com a imposição de nova despesa sem que o compromisso de compensação seja respeitado. O Programa + Superior lançado em 2015 não foi reforçado no sentido de atrair mais estudantes às 15 instituições do interior (de Viana do Castelo a Faro) em maior dificuldade por razões demográficas. As vagas criadas em todas as universidades e institutos politécnicos terão de ser ajustadas nos próximos anos, à medida que começa a fazer-se sentir a queda demográfica que vai dos 120 000 nascimentos que tivemos há 18 anos para os 88 150 registados em 2017. Mas a redução de 5% imposta este ano às instituições de Lisboa e Porto não foi desenhada para reforçar as áreas despovoadas, como já se confirmou pelos resultados do concurso de acesso onde os ganhadores estão no litoral (para além dos privados das duas áreas metropolitanas). Será esta a visão de António Costa?

A quebra de investimento público a que fomos forçados nos termos do pedido de ajuda externa de 2011 foi ainda agravada nos últimos anos com efeitos gravosos no ensino superior: falta de manutenção, em especial de residências que fecharam por falta de condições para receber estudantes. Agora anuncia-se um programa de reforço da oferta de residências universitárias. Ainda está apenas no “powerpoint”, mas já se percebeu que, além de insuficiente, será totalmente financiado por dívida pública escondida dentro da Estamo, Participações Imobiliárias S.A., a empresa para onde foram transferidos muitos edifícios públicos para permitir este tipo de operações…

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Em Fevereiro de 2016 foram anunciados com grande pompa novos “Princípios de Orientação para uma nova Ação de Política Pública”, “Um Programa de Modernização e Valorização dos Institutos Politécnicos”. A grande inovação seria a intenção de “Incentivar atividades de investigação e desenvolvimento (I&D) baseadas na experiência (i.e., experience or practice based research), claramente orientadas para a inovação no setor produtivo, social ou artístico”. Apesar da despesa já comprometida, não se conhece nenhum progresso nesta nova “experience or practice based research” e a avaliação das unidades financiadas pela FCT está a ser feita ignorando completamente esta interpretação da “investigação orientada e desenvolvimento experimental” que estavam previstos no RJIES (Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior). Pelo contrário, a boa intenção de clarificar estes conceitos e de abrir caminho ao aprofundamento da missão dos institutos politécnicos parece ter-se perdido completamente. Qual será afinal a visão de futuro de António Costa?

Na área da ciência a confusão é total com uma impressionante capacidade de disparar com promessas de despesa futura em todas as direções. Uma FCT (Fundação para a Ciência e a Tecnologia) sem uma apropriada estrutura nem o mínimo de autonomia normalmente esperada de uma agência de financiamento europeia, não passa de uma escrava do governo. Procura encobrir a incapacidade de planeamento e os compromissos conflituantes que são assumidos sem a devida cabimentação orçamental, nem mesmo daqueles com impacto plurianual. No último relatório publicado (relativo a 2016) dá-se nota de que a FCT não conseguiu (ou não foi autorizada a) ultrapassar a execução de 75% do orçamento disponível. Curiosamente, desde 2014 que o orçamento tem vindo a crescer, mas a despesa paga tem diminuído. (E note-se que 2015 foi encerrado por este Governo adiando a homologação de vários concursos da FCT.)

O sistema científico com base nas instituições de ensino superior domina a atividade e a despesa. As sucessivas promessas de novos de contratos animam os recém doutorados a não se afastarem da academia onde sempre poderá surgir uma oportunidade, não se sabe quando nem como, não se sabe com que critérios, não se sabe com que escala de vencimentos. Pelas últimas estimativas, teremos 5% dos doutorados fora do sistema público, mas a maioria destes será ainda financiada com dinheiro público. Não parece ser um problema a encarar de frente. Anuncia-se a contratação de 5000 doutorados durante esta legislatura. Mas com uma produção anual que tem chegado a 2500 novos doutorados, aquela bravata resolve metade do “problema” criado durante a legislatura!

Para simples comparação, notemos que o CSIC espanhol (Consejo Superior de Investigaciones Científicas), a maior instituição espanhola de investigação e a terceira europeia, tem 3531 cientistas (doutorados em 2017). Com 5000 investigadores contratados a cargo da FCT, vamos ultrapassar o CSIC, mas sem qualquer estratégia de gestão de objetivos. Será esta a melhor maneira de servir as universidades, os institutos politécnicos e o país? Poderemos duvidar, mas António Costa concorda.

O sistema científico não sobrevive a esta tentativa de manter tudo como dantes. Avaliações das unidades de investigação que ninguém aceitaria na Europa e que não produzem efeitos sobre quem vai contratar as peças chave do futuro, os investigadores e os docentes do ensino superior. O modelo de uma agência de financiamento, a FCT, que alimenta a investigação no ensino superior em todas as áreas e com todos os objetivos, livre de prioridades e de objetivos estratégicos para a economia e a sociedade, foi útil no passado, mas não é sustentável neste novo século. É tempo de os portugueses pedirem o retorno do investimento que tem sido feito ao longo dos últimos decénios.

É um erro grave obrigar as universidades a contratar investigadores à revelia dos seus órgãos próprios e em grave incumprimento dos princípios básicos de sã competição. Uma lei que, além de inconstitucional, dá um péssimo exemplo às corporações docentes, incentivando o seu fechamento com concursos à medida. Eticamente reprovável e muito prejudicial para o futuro do sistema. Mas o problema é maior. Haverá agora boas razões para estabilizar um sistema alargado de investigação que ultrapasse a dimensão do ensino superior? Sendo o caso, é preciso ter a coragem de desenhar um novo sistema científico, mas já sabemos que reformas sérias não estão entre os objetivos deste governo. Precisamos de um governo com coragem para desenvolver uma nova visão do sistema.

Mas não será um governo de António Costa que se mostra confortável com o desastre da atual gestão política da educação, do ensino superior e da ciência. Na educação, temos de chegar aos mais frágeis ainda excluídos do sistema e mostrar aos mais ambiciosos que não têm de sair do sistema público para encontrar o desafio que merecem. No ensino superior, temos de consolidar uma oferta mais diversa que satisfaça os objetivos muitos diferentes dos 50% da população jovem que o procuram e que responda às necessidades sociais de qualificação superior. Na ciência, terminou já o período de crescimento inorgânico e temos de redesenhar o sistema para responder às necessidades dos portugueses.

Universidade do Porto, ex-secretário de Estado do Ensino Superior